FIADOR DA DESGRAÇA
O que eu já vi de pessoas que não amam mais acabarem se envolvendo em projetos duradouros como casamento e filhos. Ensaiam o discurso do fim e alteram bruscamente a rota quando confrontados.
Em vez de recuar, apressam os passos. Em vez de soltar as amarras de uma relação problemática, apertam os laços. Em vez de sair, entram ainda mais dentro de casa. Em vez de dizer a verdade, prestam declarações eternas. Em vez de quitar os juros emocionais, realizam mais dívidas.
Estão a um triz da separação e compram anéis de noivado ou marcam igreja ou decidem ter uma criança.
Confundem a porta de saída com a de entrada, e se lançam com unhas e dentes para uma última e redentora chance, que não mudará em nada o desgaste de um longo isolamento a dois.
A boca desmente o desejo e complica o desenlace. A palavra expressa exatamente o inverso das verdadeiras intenções. Se era difícil largar, será impossível a partir de agora.
Sempre me chamou atenção o quanto existem casais caminhando ao contrário de suas decisões. Talvez por culpa. Talvez pela vergonha da solidão. Talvez pela ilusão de se ver mais responsável pela felicidade do outro do que pela própria felicidade. Talvez por comodismo. Talvez para evitar a decepção de quebrar uma promessa. Talvez pela necessidade de ser melhor do que realmente é. Talvez por não admitir que fracassou. Talvez por faltar forças para recomeçar. Talvez por entender o tempo como investimento e achar que se dedicou excessivamente para jogar tudo fora. Talvez por supor que o ruim é, ao menos, conhecido.
Qualquer que seja o motivo, o melindre de decepcionar e desagradar impulsiona os maiores erros. O receio é de quê? Que no fundo ela ou ele fale mal de você? Mas não tem como controlar os pensamentos alheios nem dentro da convivência, muito menos fora.
Trata-se de uma atitude fóbica, parecida com a vertigem: é tanto o medo de cair que a vontade é cair mesmo para terminar logo com o medo.
Você percebe o esgotamento da rotina e assume pendências para os próximos cinco anos. Pretende ir embora e começa uma reforma sem precedentes. Pretende ir embora e adquire um cachorro. Pretende ir embora e interrompe o anticoncepcional.
Não há limites para o boicote. Você se afoga nas lágrimas e nada em direção a uma dor maior. Você tenta disfarçar o que sente fazendo o oposto, e aumenta as expectativas e engrossa as mentiras.
Na vida amorosa, o “não” vive se escondendo perigosamente no “sim”. Até terminar do pior jeito, deixando alguém plantado no altar ou com uma criança no colo.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.56
Porto Alegre (RS), 29/11/2015 Edição N°18370