FIASCO NA CASA DA SOGRA
Arte de David Hockney
A distração custa caro. E cobra juros de insônia.
Aurélio experimentou 20 dias na residência da sogra, Nanda, em Balneário Camboriú. Com a sogra dentro do apartamento, é óbvio.
É o momento em que sua mulher, Elis, vira filha e não faz mais nada. Realmente descansa. Come, dorme, assiste a filmes, vai para praia. No sol seguinte, repete a dose. O Dia da Marmota que as misses desejam, e não se enjoam.
A marmota era ele: gordo, barbudo, sonolento e pele tostada.
A preguiça da esposa contagiou sua vitalidade farroupilha. Não foi só uma manhã em que despertou ao meio-dia.
– O excesso de saúde me estraga. Assim como sono demais me deixa inchado e com olheiras – costumava resmungar.
Odiava Domenico de Masi e a baboseira do ócio criativo. Na prática, constatava o contrário: a aparência masculina piora com o lazer. Todo homem descansando perde o rosto e ganha retrato falado. Inicia a temporada saudável e termina as férias com cara de foragido da polícia catarinense.
Aurélio cometeu o maior vexame de sua vida no almoço de sexta. Sem Elis, que prometeu sair para compras, acordou desprotegido, com os socos da sogra na porta:
– Comida na mesa! Vem logo! Tá pensando que é a casa da sogra? – gritou, debochada.
Pelado debaixo dos lençóis, ele pegou a primeira sunga que encontrou na gaveta e correu afobado para a sala, consciente de que Nanda era pontual e não tolerava enrolações.
No litoral, é permitido comer com roupa de banho. Não é grosseria, atentado violento ao pudor, desprezo anarquista.
O problema é que – no torpor do sono – Aurélio apanhou uma cueca listrada no lugar da sunga. E sentou quase pelado com a sogra, o cunhado, um casal de tios e algumas pessoas a que não teve tempo de ser apresentado.
O grupo olhava o genro com censura. O cunhado perguntou se ele frequentava praia de nudismo. Aurélio não captou a ironia, mesmo com os risinhos coletivos e contidos de Muttley. Confessou que carecia de coragem para jogar frescobol com o troço balançando.
Os comensais foram se constrangendo e afastando o prato.
Aurélio levantou para buscar o suco, juntou faca que caiu no chão, desfilou intensamente pela cena do crime. Almoçava de cueca e ninguém falou nada.
Identificou a gravidade da atitude quando a esposa mandou que preparasse as malas.
– Já vamos?
– Você vai! Tá pensando que a casa da sogra é motel? Me viu almoçar de calcinha diante de sua família?
Não adiantou alegar que não fora intencional. Ainda mais a uma terapeuta. Qualquer erro pode ser um ato falho.
– Aurélio, não acredita em inconsciente? Sentiu ciúme da minha tranquilidade, do meu luxo de rainha, encontrou um jeito de arruinar a confiança da mãe e ir embora.
Ela estava coberta de razão. O inconsciente é o padrasto do pecado.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 10/1/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 16943