Blog do Carpinejar

FONTANA DI TREVI

Arte de Cínthya Verri


É achar uma fonte e pretendo viciá-la em desejos. Intoxicá-la de promessas. Chantageá-la com meus pedidos absurdos. Eu me transformei num traficante de milagres, num aliciador de degraus e lajes.

Não tenho pudor. Às vezes cometo gafes e despejo a niqueleira em santuários de Nossa Senhora ou em piscinas de plástico. Qualquer água parada é motivo para depositar os centavos. Persigo os tanques como um Aedes aegypti da superstição.

Assim como crianças gostam de lançar farelos de pão aos patos, jogo moedas aos meus sonhos.

Todo lugar é Roma, todo aquário de pedra é Fontana di Trevi.

É uma fixação messiânica. Os guardadores de carro que me perdoem, mas não nutro simpatia pela superfície, deixo as economias para as profundezas e os ralos; os santos têm que mergulhar, abrir os mariscos de metais, lustrar efígies.

Minhas orações pedem hidromassagem. Não me atraem velas e candelabros, cera e fumaça, mas espuma, cheiro de cloro, limo.

Não controlo a compulsão. É meu bingo aquático. Meu porquinho flutuante.

Não sou nem um pouco exigente. Já ataquei fontes de hotel, de praça pública, de loja de móveis, cascatas de motel. Pode ser um poço artesiano, não faço cerimônia para rezar.

A água é o único mendigo em que confio. Não penso muito. Não reparo se é uma escultura de artista reconhecido ou se é um dormitório de tartarugas quase extintas, escolho a maior moeda, viro, fecho os olhos e arremesso. Ao escutar um baque seco, percebo que errei a pontaria. Não recolho a mesma moeda, o pedido sairá ao contrário, azar na certa, preciso usar outra e outra até acertar o alvo. E me acalmo com o splash na espuma. Dou três meses para a realização da prece, costuma ser mais rápido que o Procon.

Decidi partilhar o segredo com a minha namorada. Jurei que Cínthya ficaria sensibilizada. Estávamos numa pousada em Gramado, era domingo, friozinho, a luz com a boina da neblina, uma atmosfera absolutamente romântica; enxerguei uma fonte entre as pedras, ri daquele anjo condenado a uma eterna cusparada, mas me concentrei na confissão.

Aproximei-me de seus ouvidos:

— Vamos jogar uma moeda na fonte.
— O quê?
— Fazer um pedido de amor?
— Isso não é uma fonte de desejos.
— É que ninguém ainda descobriu o poder religioso desse ponto.
— Para de fiasco.
— Quando a gente iniciar a prática, outros verão a moeda no fundo e seguirão jogando, e logo teremos uma romaria de fiéis. O destino da fé é virar ponto turístico.
— Mas há peixes ali?
— Não vamos machucar, eles fogem dos objetos, são espertos.
— Não, não é justo.
— Tenta, por favor, por mim…

Diante da implicância, Cínthya se posiciona e joga de costas uma moeda de R$ 1. Apostou bem alto em nossa longevidade amorosa. Numa casa espaçosa, com quintal e varandas. Numa lua-de-mel nas Ilhas Gregas.

Corro para ver onde caiu. Não digo para ela. Um peixinho dourado engoliu o nosso casamento.



Crônica publicada no site Vida Breve

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