Blog do Carpinejar

HARÉM

Arte de Osvalter

Para Gustavo

Não compreendo como o homem ainda não descobriu o melhor lugar para caçar.

Não é insano cogitar a academia, onde são comuns as abordagens na partilha dos aparelhos. Tampouco é.

Não é despropositado responder que é o supermercado, em que são normais os pedidos por informações. Também não é.

Assim como não é a balada, não é a piscina, não é a praia, não é um acampamento de estudantes.

Onde as mulheres sempre aparecem, desprezando os anúncios meteorológicos? Pode soar as trombetas de Jericó que não mudarão a rotina. Adiam as cólicas para o dia seguinte e a enxaqueca para outro horário. Não correm o risco de morrer naquele instante.

Elas desmarcam qualquer coisa. Qualquer coisa. Nenhum trabalho, nenhuma agenda supera em importância aquela meia hora.

Sei que não é fácil imaginar uma mulher aguardando, elas costumam transpirar atrasos, trocam a roupa de repente, lembram de mais um detalhe, passam pincel e batom no espelhinho do carro.

Mas o tempo se espreguiça neste local. Acomodam-se nas poltronas e esperam. Aprumam-se nos sofás e cadeiras e esperam. É a verdadeira agência de casamento.

Loiras, morenas, ruivas. Casadas, desquitadas e solteiras. Três gerações no mesmo ambiente. Para todos os gostos, para quem sofre de complexo de Peter Pan, de Édipo, de Electra, de Ozzy Osbourne. Para quem não foi a um analista. Para quem não largou o analista.

Os adoradores dos pés não deveriam faltar. Os adoradores das marcas dos biquínis não deveriam se ausentar. Os adoradores das mãos deveriam largar o amadorismo das fotos na internet.

São ninfas definitivas, esbeltas, descontraídas. Circulam pelo tremor das pupilas como se fossem seus quartos. Abrindo portas, fechando janelas. Maldizendo os trincos, permitindo — inclusive — que mexam em suas bolsas.

Raramente rudes. Raramente grosseiras. No máximo, vão se desembaraçar e pedir licença para buscar água e café. Não encontrará o tipo fatal que volta para casa contando quantos foras deu na noite.

Reina um pacto de cordialidade, uma trégua secreta, um bem-estar improvável. Nada reduzirá o espírito de gueixa. Confiam na seleção natural do endereço. Respeitam urgências esperançosas. Não desmerecem visitantes.

Onde?

Onde as mulheres ficam sem sandálias, saltos e chinelos, com as pernas para cima, confessando seus relacionamentos, suas fraquezas?

Com os braços largados na montaria e cílios carentes.

Não precisará pagar ingresso, consumação, não mendigará uma mesa, não suportará o constrangimento de se movimentar a todo custo e criar amizades instantâneas para ampliar o território, nem terá que esguichar frases inteligentes e espirituosas a cada gole. Não dependerá nem de uma música ou de uma bebida para se soltar. E o mais atraente: não enfrentará blitz e pedágio de amigas, barreiras opinativas que discriminam avanços. Elas deixam seus anjos e guarda-costas na recepção.

Caminham livres dos pais, dos laços familiares, dos vexames.

Onde é esse ponto de franca sedução, de riso e gentilezas fáceis?

Os pecados surgem frescos, meteóricos. Taras, fantasias e bobagens se entreolham, cúmplices.

Com um pouco de acetona, tinta e lembranças serão removidas. Com uma lasca de lixa, contornos e falhas serão corrigidos. Elas falarão mal de seus namorados, de seus ex, avisarão o que desejam com uma objetividade inédita.

Ali aprenderá em minutos o que levaria uma vida perguntando.

Fico abismado quando entro no salão de beleza para fazer as unhas e somente há mulheres.



Crônica publicada no site Vida Breve

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