Blog do Carpinejar

I WILL SURVIVE



Não gemer mais do que ela é o mínimo que deve fazer. É uma questão de decência. Uma etiqueta básica desde os visigodos. Uma gentileza inadiável.

No berço, o macho aprende a não ser espalhafatoso, a secundar o chocalho, a chorar baixinho, a não melindrar as cantigas dos móbiles.

É um mandamento inafiançável: durante a transa, não ultrapassar sua namorada na gritaria.

Controle-se. É uma regra cavalheiresca: puxar a cadeira, aguardar ela se servir e não fazer escândalo na cama.

O show é dela, amigo. Você é apenas um convidado, aquiete-se em seu lugar. Não se trata de disputa vocal, dueto, soletração.

Não há orgasmo que justifique exceção, que lhe garanta o direito de superá-la. Não se mexa muito, pois os braços chamam o canto. Mantenha a movimentação aeróbica básica (ou as pernas ou as mãos, evite a sincronia). Um pouco mais e estará cantando Gloria Gaynor.

Toda beldade entra em pânico quando o homem geme acima de 85 decibéis. Ela gela, acha que errou de quarto, de corpo, de época. Pira, surta, paralisa o vaivém para identificar o alarido invasor.

O susto desemboca em trauma amoroso, capaz de provocar frigidez e abstinência. O fenômeno é recente e os psicólogos não avaliaram os danos. Talvez ela saia correndo nua pela Paulista. Ou se converta para meditação de Osho.

A onda mecânica necessita ser discreta. Varão comportado geme na altura de micro-ondas, nunca de uma máquina de lavar e jamais de um aspirador de pó.

Não banque a estrela do aiaiai, a vedete do uiuiui, a Carmem Miranda da banana descascada. Não confunda ereção com seleção de musical da Broadway.

É grosseria ofuscá-la na intimidade, é falta de decoro erótico, é ciúme da vagina.

Ela pode usar cera quente, algemá-lo na cabeceira, recorrer ao fio-terra, chamar seus brinquedinhos para dançar, apontar uma lâmina em seu pescoço, lançar chicote em seu lombo, mas não se desespere. Morda a fronha se não aguentar, bata na madeira se o gozo irromper violento.

Vale apenas resmungar. Já latidos, miados e uivos estão na faixa de agressão ao ambiente - os vizinhos não toleram frescura e serão os primeiros a denunciar a poluição sonora ao zelador.

Mulher se excita ouvindo sua cadência melódica. O prazer dela cresce quando reverbera o timbre pelo espaço. A voz é seu espelho.

O papel masculino consiste em proteger a tranquilidade da audição, resguardar a diva dos impostores e atravessadores. Ela aguarda o eco do seu gemido, o retorno perfeito do palco.

Sexo a dois é ainda masturbação para a mulher. Ela não quer ninguém atrapalhando.




Minha coluna na Revista IstoÉ Gente
São Paulo, março de 2013, p. 68, Edição Nº 695

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