IDADE DE MEU PAI
Vejo fotos de meu pai com quarenta e três anos e me incomodo. Naquela época eu tinha dez anos e achava o meu pai velho de verdade. Na mentalidade de criança, ele já estava prestes a morrer, entrava naquele terreno licencioso das mágoas físicas (barriga e queda dos cabelos).Raciocinava que demoraria muito para chegar onde ele estava. Suas palavras cheiravam a dicionário. Eu queria que ele parasse de envelhecer.
Lembro que o observava com medo mais do que orgulho: medo de perdê-lo. Eu subia centímetros dia por dia com a minha cabeça de papel e ele diminuiria como fogo – todo idoso se encurva.
Hoje com a idade de meu pai no momento fotográfico de outrora, não sei se me engano. Eu não me sinto passado, compreendo que estou na metade jovem de minha vida. Mas quem diz que ele não se via assim? Custamos a reparar nas próprias rugas e doenças. Consideramos os lapsos de memória naturais pelo excesso de trabalho – quando já são avisos.
A imponência do pensamento vem traindo o corpo a cada noite. Eu não sou o mesmo, nem parte do mesmo que fui, apenas não desacelerei a minha imaginação invencível de menino, que me confunde a jurar que não envelheci.
Ainda não aprendi a morrer. Ainda não aprendi a me despedir. Ainda não aprendi a me desapegar do que acho que sou. Não consigo me perceber chegando ao fim.
Há o desconto do aumento da longevidade nestas três décadas. Vivemos mais do que os oitenta enquanto antes os adultos de minha meninice fechavam reza e davam o amém com sessenta anos.
Não apago o mal-estar da caneta preta, do corvo furando as linhas da caligrafia. Eu me tornei aquela imagem para os meus filhos e não há como alterar a mentalidade complacente e assustada deles comigo. Por mais que não reclame, por mais que acumule gírias, por mais que pareça moderno, por mais que ande de skate e dance a madrugada inteira.
Sou agora a parede das fotos.
Publicado no portal Vida Breve
Coluna Semanal
28.09.2016