JÁ ERA AMOR NO INÍCIO
Foto de Gilberto Perin
Às vezes é amor desde o início, mas recebe o nome errado do medo, é chamado de amizade por engano e demora para ser anunciado. Até virar hipótese improvável.
Você não segurou a mão no cinema quando deveria, você não beijou a boca na primeira vez que saíram, você não usou a licença poética da embriaguez para subir ao apartamento na hora da despedida, você não arriscou e não se entregou, como nos blecautes anteriores. Foi possuído de pudor, a proteger uma afeição pura e inédita. Foi tomado de respeito, não queria avançar o sinal.
Veio um estranho medo de ferir e de ser ferido. As pernas fraquejaram, o aceno pendeu no ar pela metade, os olhos se contentaram em voar com um tchau desajeitado.
Os dias se passaram e não retornaram mais ao início onde a amizade era para ter sido amor.
Trocaram confidências para domesticar o encontro, esconderam a atração forjando lealdade, espantaram a possibilidade de sexo para não sobrecarregar de dúvidas a cumplicidade que corria dentro do toque.
Sufocaram, com as forças da juventude e da dissimulação, a inquietação que reinava no silêncio e na saudade.
Vocês se encaixavam perfeitamente. Concordavam antes mesmo da conclusão da história, decoravam datas e gostos, adoravam caminhar lado a lado e discutir o que vinha à mente com liberdade, sem censuras e filtros.
Usaram todas as palavras um com o outro, menos aquelas que mudariam tudo. Empregaram todas as verdades um com o outro, mas mentiram justamente na confissão que transformaria o relacionamento.
Não arriscaram declarar o que sentiam. Ou porque era cedo demais e estavam se conhecendo. Ou porque era tarde demais e já se conheciam excessivamente.
Não perceberam o quanto se envaideciam no momento que alguém na rua se confundia e elogiava a intimidade:
- Formam um casal muito bonito!
- Ah não, não somos um casal...
Não? Tinham um dialeto, um riso sempre fácil, conversavam por músicas e canções, atravessavam a clareza das madrugadas e a claridade dos dias, mas não apostaram na intuição, o único conselheiro que desfaz dilemas.
Esperaram reunir provas do sentimento mútuo quando nunca existiu tribunal no amor, quando nunca existiu justiça no amor, quando nunca existiu reparação de perdas e danos no amor, é sempre esse agora e sempre, essa execução sumária.
Não há como culpar ninguém por aquilo que não aconteceu, a não ser lamentar a timidez. Permitiram que namorados e namoradas aparecessem no vácuo que não ocuparam, e complicaram o que podia ser fácil. Agora estão condenados a ouvir descrições apaixonadas e lamúrias, fins e abandonos, recomeços e novos romances. Agora estão forçados a mergulhar num ménage espiritual, a suportar indiscrições, a fingir desinteresse e chorar em segredo. Agora serão empurrados pela vida a serem melhores amigos eternamente, a serem convidados para os papéis de padrinho e madrinha de um casamento errado, de um altar que no fundo era destinado aos dois.