LEI SECA
Arte de Cínthya Verri
O inimigo público do homem é o barman gostosão.
Foi ele que nos conduziu a uma crise de identidade sem precedentes, ao término do maniqueísmo e da Guerra Fria.
Do barman, veio o metrossexual, o pansexual e Patrick Swayze. Não duvido que os emos não sejam ramificações de sua índole.
O barman destruiu a luta entre o bem e o mal, tirou o homem do mundo e o colocou em casa para defender seu território doméstico. Ou ele voltava rápido ao lar, cozinhava, passava aspirador e cuidava dos filhos, ou perdia sua mulher para sempre.
O barman é o monstro pornográfico, o vilão erótico, destruiu nosso conforto maternal de comida e roupa lavada. Não tem como concorrer com ele: atende ao mínimo sinal, dança, rebola, canta e prepara poções melosas batizadas de filmes românticos. Uma mistura demoníaca de stripper, personal trainer, karaokê e liquidificador, tudo o que uma mulher sente falta em seu marido.
Quando ele surgiu, seminu e sarado, atrás dos balcões nos bares e boates, morreu o heterossexual como meu pai e meu avô conheciam.
O escandaloso e convencido barman suplantou o discreto e humilde garçom.
Morreu a gravata-borboleta para ceder espaço à bandana. Morreu o dente de ouro do maître para abrir lugar a aparelhos e piercings. Morreram os pelos dos ouvidos dos cinquentões para o reinado dos peitos depilados dos rapazes. Morreu o destilado caubói para um edifício de drinques coloridos e duvidosos. Morreu a simplicidade da bandeja pela agitação da coquetelaria. Morreu a imobilidade generosa do funcionário pelo show de malabarismo, acrobacia, e mágica. Morreu a elegância do dedo levantado em nome do assobio histérico.
O garçom exemplificava lealdade: padre que guardava nossos pecados e limpava a mesa. Fácil de acreditar, chorar dor-de-corno, pedir emprestado o ossinho do ombro. Nossa felicidade terapêutica consistia em oferecer gorjeta e derramar um pouco de bebida ao santo.
Já não conheço nenhum amigo que confie no barman. Sofre-se o medo de que ele se aproveite da fragilidade das confissões e seduza a esposa.
O barman é um infiltrado na barbearia; deveria aparecer longe de nossos olhos, somente no chá-de-panela.
Em sua companhia, não há como vacilar um minuto, somos obrigados a buscar bebida porque as mulheres criam motivos para se aproximar dele. É um risco, uma temeridade: jovens lindos, cheirosos, disponíveis, e traficando secretamente o número de seus celulares nas comandas.
O barman é o fim do faroeste, da porta-balcão, do cavalo amarrado no obelisco.
Não consigo imaginar John Wayne sendo servido por um barman.
Sentimos saudades do velho garçom.
Todo garçom tinha a obrigação de ser mais feio do que a gente. Uma tranquilidade que não volta mais.
O que nos resta é beber para esquecer. Dentro de casa.
Crônica publicada no site Vida Breve