Blog do Carpinejar

LÍNGUA VIVA DE UM PAÍS MORTO

Casados há cinco décadas, Álida e Arno só conversam no idioma pomerano.Fotos de Nauro Júnior.

Pomerânia não está pintada de azul no mapa mundi.

Era um país eslavo, na fronteira entre a Alemanha e a Polônia, reduzido a ducado no século 11, apequenado em província no século 18 e que deixou de existir de vez com o fim da II Guerra Mundial, em 1945 (85% do território foi incorporado pelos poloneses e 15% acabou sob domínio dos alemães).

Mas seu idioma áspero ainda é falado no Rio Grande do Sul.

Em São Lourenço do Sul, cidade de 43 mil habitantes, a 195 quilômetros da Capital, famílias mantêm viva a língua de uma região extinta. Para não sofrer boicote, as lojas são condicionadas a contratar funcionários que respeitem a tradição.

O agricultor Arno Bubolz, 76 anos, defende a bandeira com unhas, dentes e enxada. Bisneto de um dos primeiros imigrantes da Pomerânia a desembarcar no Rio Grande do Sul (Fritz desceu no Porto da Lagoa dos Patos, em 1868), não abre mão da origem. Conversa exclusivamente em pomerano com os parentes.

– É o nosso código de amor – afirma Álida Bubolz, 74 anos, sua mulher há cinco décadas.

– Ela me diz cada coisa no ouvido que apenas eu entendo e não posso traduzir – reage Arno.

– Meu marido adora xingar no idioma dos avós. Mas não xinga de ruim, para amaldiçoar, xinga de faceiro, de orgulho – completa Álida.


De largo chapéu de palha e inseparáveis tamancos, Arno é simpatia pura. Álida aproveita a vulnerabilidade de seu riso para beliscar as faces rosadas.

– Até seu beijo é pomerano. Ele transmite sua felicidade pelos lábios – confidencia a esposa.

– Temos uma paixão pelo som. Em vez dos olhos, observamos a boca para ver se a pessoa está mentindo – argumenta Arno.

O dialeto tem uma pronúncia semelhante ao alemão. Resiste apenas como língua oral no Estado, sem representações por escrito.

– Fui entender português tardiamente, aos sete anos, na escola – esclarece Hilmar, 46 anos, um dos seis filhos do casal.

Ao longo das bodas de ouro, o par honrou os rituais dos antepassados da costa do Mar Báltico. Preservou hábitos diferentes, a princípio estranhos para seus vizinhos gaudérios. Um deles é o vestido negro da noiva.

– Matrimônio é luto para mulher. Significa abdicar da proteção dos pais – explica Arno.

O casório é permeado de regras especiais. Não é permitido convite impresso. A cultura estabelece a figura do convidador: um padrinho – de preferência de fígado forte – que visita a comunidade convocando os amigos para a festa. Ele é obrigado a beber um gole de maischnaps, cachaça típica feita com 32 ervas, em cada residência.

– Certo que volta embriagado da missão, e não lembra quem realmente convidou. Depois a cerimônia enche de penetras – ri Arno.

Outro ritual é colocar o primogênito de castigo na hipótese de o caçula casar antes.

– São castigos divertidos. O filho encalhado é condenado a passar uma tarde inteira sentado no fogão, para aprender a não ser mais bobo – pontua Hilmar.

Arno e Álida já são os professores de pomerano dos 13 netos, criançada que lota todo o galpão da fazenda na Estrada da Divisa.

– Não seremos o último capítulo do idioma. O livro não termina com o fim.

The End. Ou, para os íntimos dos antigos celtas, Yho.








Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 32, 8/10/2011
Porto Alegre, Edição N° 16850
Veja hábitos de pomeranos e vídeos de São Lourenço do Sul.

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