Blog do Carpinejar

MÁRIO FAUSTINO - CLÁSSICO DO MÊS

Reedição do livro "O Homem e Sua Hora" confirma a importância do poeta que, na década de 1950, aproximou dois polos até então inconciliáveis: a tradição e a transgressão

O poeta Mário Faustino. Apreço pelos jogos sonoros, em versos como: "Agora o bandoleiro brada e atira/ Jorros de luz na fuga de meus dias"


Há a tentação de apontar as estruturas clássicas do verso como sinônimo de conservadorismo e anacronismo. Uma noção vestibulanda de que estrofes e rimas pertencem a uma ourivesaria inútil. O novo residiria no poema visual, no haicai e no verso livre.

As aparências enganam. Dois dos poetas brasileiros mais populares, Mario Quintana e Vinicius de Moraes, foram hábeis sonetistas. Talvez seja um argumento pertinente para revisitar Mário Faustino, que privilegiou a renovação do antigo mais do que a inovação pela ruptura. Cultivou formas consagradas numa postura combativa, de crítico dentro da própria criação.

Natural de Teresina (PI), morreu precocemente em 1962, aos 32 anos, num desastre aéreo. Em sua trajetória curta, transformou a crítica literária com uma página semanal no Jornal do Brasil, atormentando o compadrio elogioso entre os amigos e enfrentando figurões do porte de Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Como tradutor, sincronizou o horário brasileiro com os relógios poéticos da Europa e dos Estados Unidos ao verter Charles Baudelaire, T. S. Eliot, Ezra Pound, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine.

Lançou um único livro de poesia em vida, O Homem e Sua Hora (1955), que a Companhia das Letras acaba de reeditar, numa versão de bolso. Embora não tenha estabelecido um jeito original de versejar, desempenhou um papel decisivo e aglutinador. Representou uma figura de apoio entre duas pontas até então inconciliáveis: a tradição e a transgressão. Permitiu, assim, o surgimento do concretismo e a subsequente valorização da recriação na tradução. Assumiu uma condição ambivalente de vanguarda na crítica e retaguarda na poesia com o lema "repetir para aprender, criar para renovar".

Cantou como um barítono, extremamente alusivo, esbanjando aliterações e jogos sonoros. "Agora o bandoleiro brada e atira/ Jorros de luz na fuga de meus dias -/ E mudo sou para cantar-te, amigo,/ O reino, a lenda, a glória desse dia". Ressuscitou uma verve classicista, fundada em Virgilio e Dante Alighieri, com um mergulho intransigente na mitologia e na metalinguagem. Também adotou o tom imperativo e severo dos profetas bíblicos, de censura e ameaça. Não ficou com medo de Deus, apesar da tônica marxista-realista dominante da época. Alternou em seus versos símbolos do cristianismo (como sarça, peixes, serpente e sudário) e transfigurou os temas mais prosaicos em conflitos subjetivos e atemporais.

Não encontraremos nele o deboche, a ironia, os trocadilhos e a distensão modernista, mas um estado elevado de transe metafórico, de limpidez lírica. Desafiando a linguagem e revelando certa adoração pela morte, Faustino exibiu a luminosidade intensa e breve de um cometa.

Publicado na Revista Bravo!
Fevereiro/2010, Ano 12, Nº 150
Primeira Fila, p. 18

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