Blog do Carpinejar

ME DÊ UM PAR


Arte de Eduardo Nasi

Quando a minha vó Elisa me mostrou sua aliança, eu fiquei hipnotizado.

Foi um pouco antes dela morrer. Era viúva há cinco anos.

Ela brincava:

— Leonidas pode me trair, já que está morto. Mas eu continuo viva e não tiro.

O símbolo me cativava pelo uso. Arranhado, com o ouro todo riscado.

Eu queria um igual. Para ser empregado com semelhante fúria. Para ser gasto. Testado. Lanhado.

Uma aliança com mecha envelhecida. Anciã.

Uma aliança como pedra de riacho. Arredondada.

Uma aliança teimosa, que jamais saiu do anular. Nem durante o banho. Muito menos ao longo da viuvez.

Uma aliança montaria da espuma, bambolê de frutas, relógio de unha.

Uma aliança fiel ao corpo, coração na árvore, bússola de besouros.

Uma aliança doída, torneada, esfolada no tanque de lavar, na pia, na mesa.

Uma aliança que é aldrava de janela, argola de brinco, que acalma nossa respiração.

Eu sou apaixonado por aliança que tenha bodas, experiência de vento, vontade vivida.

Já ouvi de casados que a aliança é um ímã de traição, que aumenta apenas o assédio.

Mas aliança não traz infidelidade, não é um escudo.

Ela não nos protege, nós que a protegemos.

Aliança não é o fim, e sim o começo incessante.

Não significa que estamos prontos, definidos, fechados.  É uma escolha renovada, é uma promessa incansável, um compromisso que se carrega na mão para ter gosto de apontar o caminho ao outro.

Aliança é o laço do balanço voando, é uma admiração por alguém estendida em nossa palma.

Ela não está só na mão. É tudo o que enxergo, tudo o que acredito. Olho para os cabelos cacheados de Juliana e vejo alianças. Olho para seus olhos mouros e vejo alianças. Olho para seus lábios soprando a neblina e vejo alianças. Olho para seus joelhos de patinação e vejo alianças.  Olho para suas pequenas orelhas e vejo alianças.

Conchas, círculos, esferas são ensaios de aliança. Desenhos de alianças. Garatujas cantantes, aliadas de minhas pupilas.

A aliança nunca será uma joia, será sempre uma palavra para duas bocas.

A aliança nunca será um anel, será sempre uma chave para duas portas.





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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