ME DEIXE EM PAZ
Arte de Paula Modersohn-Becker
Meu filho foge das fotografias.
É alguém alçar o celular para o alto e ele se esconde debaixo de colunas e cortinas. Não aguenta máquinas por perto.
Não me chateio, não obrigo que ele mude de ideia, nem lamento a desistência precoce da vida pública.
Ele não está doente, tampouco é timidez. Não colocarei Vicente em terapeuta para resolver sua retração. Não vou ofendê-lo de bicho de mato e constrangê-lo entre os amigos.
O nome do que sente é estresse. Uma postura defensiva extremamente sadia. Ele está farto de flash, de olhar para cá e ser feliz.
Bombardeamos nossos filhos com a facilidade de imagem. Exageremos na dose. Eles enjoaram, cansaram, taparam a câmera com a mão.
É Instagram. É Facebook. É Twitter. É Tumblr. Temos que alimentar diariamente os demônios das redes e eles são nossas vítimas prediletas.
Vicente entrava no ônibus da escola: foto! Vicente almoçava: foto! Vicente jogava futebol: foto! Vicente bocejava: foto! Vicente pulava na piscina: foto! Vicente chorava bonito: foto!
Coitado. Aos 11 anos, ele tem um acervo fotográfico do tamanho do de Justin Bieber. Desde o nascimento, são centenas de fotos minuto a minuto de sua existência. Não diria que ele possui um álbum, mas já uma fotobiografia.
Minha infância foi de plebeu, com 50 fotos no máximo, todas com roupas de domingo e ao lado dos irmãos. A infância do Vicente é de imperador, uma muralha da China de poses.
Os pais se transformaram em paparazzi alucinados e loucos para demonstrar seu amor digital. Montam guarda nas janelas. Realizam vigília nas portas do banheiro e do quarto.
Encantados com os aparelhos modernos e as versões anuais de Android e iPhone, perderam o pudor e o senso de medida. Seguem seus pequenos nas cenas mais recatadas e pessoais para obter o clique diferenciado, que ficará um luxo com o uso dos filtros.
Não é brincadeira. Subtraímos a privacidade das crianças. Hoje, estão expostas como atores e atrizes mirins, empurradas precocemente para a ribalta. Tudo é festa. Tudo é mostrado.
Os meninos e as meninas não têm sossego. Não podem nos olhar com cara engraçada. Não podem inventar de nos abraçar longamente. Um instante de bobeira, e seus familiares aproveitam o registro para pôr na web.
Vicente rejeita luzes. Ele pede:
– Me deixe crescer em paz.
Bem que ele faz.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N° 17369