Blog do Carpinejar

MESA RESERVADA

Arte de Childe Hassam

Sandrinha ama meu filho Vicente, nove anos. Ela coordena a brigada de atendentes no restaurante Suzanne Marie, no Moinhos de Vento.

Amar meu filho é me amar duas vezes.

Não consigo ser pai com Sandrinha perto. Ela não deixa faltar nada. É o menino se acomodar na cadeira que já está cochichando planos mirabolantes em seu ouvido, por certo encomendando pratos especiais fora do cardápio, imagino que seja ovo estrelado em cima do arroz soltinho, bife e batata frita, algo irresistível para uma criança.

Molecagem de amigos, que aumenta porque não escuto a conversa. Identifico que o assunto é proibido pelas risadas e olhos chineses dos dois.

Com Sandrinha perto, Vicente vive um domingo eterno, do jeito que sonhara no ventre.

Eu brinco que ela leva meu filho em sua bandeja para cá e para lá, que mima demais o guri, que estraga a educação com excessiva ternura.

Na aparência, reclamo e faço cena; secretamente, admiro seus cuidados, sei que o amor conserva, não estraga ninguém.

De modo egoísta, a família torce para que não tire férias. Com ela longe, as fadas desaparecem, Debussy se cala, o suco da filha Mariana não vem, meu café enfraquece, o chá da esposa dorme no bolso do garçom.

Sandrinha é insubstituível. Uma monarca da simplicidade.

Tão aplicada e cuidadosa, que nunca a vi de cabelos soltos, sempre de coque. Deve ser bailarina de uma caixinha de música. Dança sem parar no espelho de nossos olhos, num vaivém incessante, destacando-se pela elegância – a sapatilha rosa da boca, as palavras na ponta dos pés, o pescoço erguido mesmo ao apanhar talheres do chão.

Vicente dá corda, eu dou corda, não queremos perdê-la de vista: exemplifica a delicadeza atenta do lugar, a comida curativa.

Mas Sandrinha hoje não poderá vir. Nem amanhã. Nem depois de amanhã. Vai demorar a voltar.

Recupera-se na UTI do Hospital de Gravataí. Foi vítima de um assalto ao descer do ônibus no sábado, no retorno do trabalho. Abordada por um ladrão, entrou em pânico, saiu correndo e caiu na rua. O assaltante atirou friamente em suas costas. Atirou quando ela estava deitada, indefesa, entregue.

Talvez ela não ande mais. Agora eu e Vicente iremos carregá-la no colo.

É hora de servi-la. E ainda explicaremos para Sandrinha que ela é magra, leve, não cansa os braços.







Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 16/08/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16794

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