Blog do Carpinejar

MESTRE-CUCA

Com suas massas recheadas irresistíveis, Borghetti ajudou a sepultar plano de dieta coletiva.Foto de Tadeu Vilani.

Lagoa dos Três Cantos, situada no Planalto Médio, a 277 quilômetros da capital gaúcha, ficou conhecida como a cidade mais obesa do Brasil em 2001, em pesquisa da Organização Mundial da Saúde.

60% dos moradores estavam acima do peso e fugiam da balança.

A partir de convênio da Prefeitura com o Hospital Santa Casa de Misericórdia, houve uma dieta coletiva que durou até 2004. O programa de reeducação alimentar utilizou o telefone e a internet (www.emagrecendo.com.br) para monitorar pacientes. Os alimentos foram transformados em números. As mulheres não poderiam ultrapassar 330 pontos por dia, os homens estavam restritos a 450 pontos. As refeições ganharam reforço de matemática. A calculadora tomou o lugar de honra do guardanapo. Um copo de cerveja valia 33 pontos, um bife à parmegiana correspondia a 185 pontos.

A população bem que tentou, chegou a emagrecer quatro toneladas, a média decresceu de 82 para 75 quilos, mas no fim a comunidade sucumbiu à terrível tentação: as cucas deliciosas do Borghetti.

O italiano Ivaldo Fioravante Borghetti, 70 anos, é o vilão do regime da pequena localidade alemã. Ninguém resiste às suas massas caseiras, recheadas de morango, framboesa, uva, tangerina, coco, chocolate e doce de leite.

– O regime é propaganda para a comida. Controlando as calorias, sentimos saudade da liberdade da infância – teoriza.

Ele é o Anticristo dos anoréxicos e dos bulímicos, o inimigo número 1 do colesterol. O perfume de sua padaria na Avenida Otto Radtke tonteia os passantes e vicia os vizinhos.

– A cuca de Borghetti é uma arma irresistível de açúcar. Se uma fatia da cuca equivale a 89 pontos e é impossível comer uma só, não dava para segurar mesmo a cota – explica a funcionária pública Georgia Walker, 38 anos.

– Ele arruinou nossas pretensões de magreza. Eu inicio e termino o expediente comendo cuca. Não consigo parar – expõe Cláudia Regina Schmidt, 32 anos.

A desculpa de Ivaldo para a expressiva venda é o grande número de turistas consumidores.

– Já mandei produto por sedex para Mato Grosso. Atendo muito pedido de fora – defende.

– Me engana que eu gosto, nós é que comemos demais – desmente a agricultora Rejane Freis, 42, que sofreu o efeito sanfona dos conterrâneos, emagreceu 36 quilos e voltou a engordar tudo de novo.

Ivaldo não tem o que explicar. Sua padaria vende 1,6 mil cucas por semana, exatamente o mesmo número de habitantes de Lagoa dos Três Cantos. Durante março, abril e dezembro, períodos festivos, a fabricação dobra para 3 mil unidades.

Não existe toalha de mesa que não conheça os farelos de seus confeitos.

A mulher, Lairdes, 63 anos, a responsável pela famosa receita do doce, também ganhou seis quilos. Nem ela escapou do feitiço:

– Nosso problema é que comemos ligeiro, e nunca é o suficiente.

A filha de Ivaldo, Claudete, 45 anos, acha que o sobrepeso é resultado da interminável vocação festiva.

– Todo final de semana tem festa. Ou é bolão ou é bocha ou é futebol ou é galeto de Igreja ou é churrasco de escola – afirma.

O padeiro encolhe os ombros alegando que não tem nada a ver com a gula do município.

– Não tenho culpa se o pecado é bom. O inferno é o céu da boca.





Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 36, 10/9/2011
Porto Alegre, Edição N° 16821
Veja vídeos mostrando a rotina da famosa padaria.

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