Blog do Carpinejar

MEU AMOR

Arte de Giacomo Balla

Todo mundo repara ou lembra quando empenhou a primeira vez eu te amo numa relação.

Qual o momento exatamente. O dia, a hora, os minutos. Após o sexo, embevecido. Ou no cinema escorregando as palavras num beijo. Ou antes de um aceno ao trabalho.

Aquele eu te amo que rodopiou na garganta até ganhar a forma da boca. Aquele eu te amo que fora ensaiado em diversos momentos de alegria, e recuou por vergonha.

Quando ele vem, é um balbucio: estranho, inseguro, desajeitado como um pedido de desculpa.

Sim, o primeiro “eu te amo” é um pedido de desculpa:

– Desculpa, eu te amo.

– Desculpa, eu me ferrei.

– Desculpa, não quis, só que aconteceu.

O primeiro eu te amo é uma série vitoriosa de fracassos. Fracasso da amizade (não consigo ser mais seu amigo). Fracasso da independência (não consigo mais viver longe de você). Fracasso da mentira (não consigo mais mentir para você).

A declaração aparece tímida. Temos que sempre repetir – este é o constrangimento. O primeiro eu te amo nunca é ouvido. E ainda enfrentaremos a pergunta desconfiada de nossa companhia: “O que você disse?”.

Ai, como é sufocante. Muitos mentem e, já acovardados, não insistem. Expor o eu te amo parte de uma tontura, repetir é embriaguez.

O primeiro eu te amo surge com voz de adolescente, aquele timbre indefinido, arenoso: metade infância, metade adulto. Soprado, sussurrado, comovido.

É um caminho sem volta. Um desabafo que se consome em decisão e que se impõe como destino. Depois não tem como alegar que errou, que se confundiu, não há retratação possível, seu advogado não poderá construir nenhuma versão convincente para desfazer o mal-entendido.

Mas o primeiro eu te amo, ainda que represente uma estreia da vida a dois, é discreto diante de outro movimento dos lábios que costuma passar despercebido.

Quando chamamos o nosso par de “Meu Amor”. Quando personificamos o Amor.

Quando ele deixa de ser um nome, alguém, para ser o nosso próprio sentimento.

Quando abandonamos seu registro, seu batismo, para tratá-lo como se fosse a nossa emoção encarnada.

Não tem como consertar, a projeção virou realidade. É quando realmente confiamos nossa individualidade.

É amor para cá, é amor para lá, é amor para acordar, é amor para dormir, é amor para pedir qualquer coisa, é amor no e-mail, no telefone, nos cartões. É amor amor amor infinito, dobrado, multiplicado, incansável.

Está feito o estrago. Se nos despedirmos, se nos separarmos, não estaremos nos afastando de uma pessoa, e sim do Amor.






Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 1/4/2014
Porto Alegre (RS), Edição N° 
17750

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