MEU IRMÃOZINHO ESTÁ DE ANIVERSÁRIO
Arte de Fabrício Carpinejar
Eduardo Nasi caminha cheio de moleskines no bolso. Seu bolso é uma prateleira.
Ele reforça o figurino de casacos para carregar mais cadernos. Mesmo que seja um calorão.
Desenha de pé na Paulista, nos cafés, nos restaurantes.
Armado de cinco canetas especiais, onde mistura portas e janelas.
Jamais põe óculos escuros para não espelhar as pessoas. Não pretende ser espelho de ninguém — é falta de educação.
O elevador é mal-educado, ele não. A cama de motel é mal-educada, ele não.
Eduardo Nasi anda como um pássaro. Em pulinhos. Parece que vai voar assim que alcançar a primeira esquina.
Seu pensamento gira rápido, suas ideias não têm pescoço.
É paciente ao extremo. Não leva desaforo para casa — arranja um cinema ou um teatro ou uma exposição no fim do seu expediente.
Sua rotina nunca sai conforme o planejado. É uma rotina esclerosada.
O que mais adora fazer é cozinhar para si. Lasanha vegetariana, por exemplo. Ele diz que a lasanha vegetariana nasceu mesmo para a solidão.
Eduardo Nasi é gentil, quase caridoso em sua gentileza. Fala calmo, manso. Não guarda nada de ópera, apesar de amar ópera.
Jamais mostra a namorada aos amigos para não gerar inquéritos e fofocas. Apresenta apenas a namorada quando já é ex. Conheci todas as suas ex, nenhuma atual.
Sua dificuldade é comprar sapatos. Considera os sapatos masculinos iguais. Alega que falta argola e salto no homem.
Nasi me conheceu como poeta, me desconheceu como cronista. Somos amigos há quinze anos. Nos telefonamos meia-noite e meia, quando estamos cansados e não vamos mais mentir.
Ele costuma explicar que não perde tempo conversando comigo antes. Por quê?
— Você unicamente passa a falar sério depois da meia-noite. Antes, é ficção.
Ele emprega o você, não mais o tu gaúcho. Traz tiradas maravilhosas. Seu sarcasmo vive se jogando do viaduto. Diz que abandonar a terapia é também receber alta. Somente alguém bem resolvido é capaz de negar a mãe, o pai e depois o terapeuta.
A orfandade emocional é a perfeição.
Ele trabalha como publicitário, formou-se como jornalista, é um contista invisível.
Odeia ponto-cruz. Odeia roupa com ponto-cruz. Odeia brilhos com ponto-cruz. A virtude do ódio é que não precisamos explicá-lo, é regido por arbitrariedades.
Nasi usa bengala para endireitar o olhar do outro. Usa suíça para implicar com o olhar do outro. Usa lenço na fatiota para mostrar que o passado é exuberante.
É um ancião com menos de 40 anos.
Ele nasceu em Porto Alegre, mas surgiu em Berlim.
Eu amo muito Eduardo Nasi.
Ele só existe em minha imaginação, mas eu empresto a você todos os dias.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira