MEU PIOR VÍCIO
Arte de Eduardo Nasi
Quando me sinto só, cheiro meus braços.
Um naco de melancolia e puxo o perfume dos pelos dos braços.
Inspiro escondido, baixinho. Observo os lados para evitar flagrantes.
Eu me vejo culpado por me cheirar em público, como quem mexe no nariz.
Busco me controlar, mas repito de novo e de novo e de novo.
Para me livrar do hábito, teria que ser enviado imediatamente para uma clínica de desintoxicação. Ser preso em uma camisa de força. Ser amarrado na cama.
A verdade é que me acalmo com a fungada em minha pele — não há como evitar.
Pode estranhar a mania. Pode considerá-la uma excentricidade perigosa aos bons costumes. Pode, inclusive, me denunciar para as autoridades.
Já vejo os vizinhos fofocando a meu respeito:
— Aquele careca de óculos vermelhos é totalmente bizarro: cheira os braços.
— Coitada da esposa e dos filhos dele.
— É um viciado, vai desperdiçar sua carreira.
Já sofri preconceito e bullying. Fui pego por um policial cheirando os braços nas moitas da Praça Tamandaré.
Os braços são minha cocaína, meu rapé, meu Vick, minha cola de sapateiro.
É bater em mim uma orfandade de temperamento, a certeza de que ninguém me ama, que o olfato visita minha carne.
É irresistível. Não alcanço a origem do vício.
Desde quando faço isso, desde quando?
Intrigado, tomei Fanta Uva (Fanta Uva é minha hipnose regressiva).
Não surtiu efeito mesmo com uma garrafa dois litros.
Mas, duas semanas depois, ao passar pela frente da antiga escola Imperatriz Leopoldina, ouvi o sinal do meio-dia.
O sinal ainda é idêntico ao meu tempo. A sirene curta e alta.
O toque ancestral da infância mexeu com o pêndulo do coração, que balançou devagar, quase parando pelo peso do ouvido e da mochila imaginária.
Lembrei que ficava deitado em meus braços esperando o fim da aula.
Como a professora sempre terminava o conteúdo mais cedo, sobravam quinze minutos sem nada para fazer.
Ela ordenava:
— Fechem os cadernos e permaneçam em silêncio.
Ninguém deveria conversar com o colega. Calado, taciturno, impossibilitado de movimento, me aninhava em cima da mesa. Sesteava na cesta dos cotovelos.
Então, neste instante, cheirava meus braços.
Cheirava de olhos fechados, simulando a contagem dos segundos.
Até explodir a esperança da rua.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira