Blog do Carpinejar

MINHA MÃE NO CINEMA



Fabrício Carpinejar
Arte de Eduardo Nasi

Todos os filmes que a minha mãe assiste eu não vejo mais. O complicador é que ela é cinéfila, frequenta o cinema três vezes por semana. Não sobram muitas alternativas do que está em cartaz.
Não tem graça. Minha mãe é o spoiler em pessoa. Não se restringe a evidenciar a sinopse do filme, sempre conta o final. Sua recomendação é um atestado de óbito cinematográfico. Transforma o roteiro em fofoca. Já estabelece a dica categorizando de que “não posso perder o filme porque a última cena é antológica”.

Preciso evitar conversar com ela no final de semana. O telefone toca na sexta e não atendo. Óbvio que vai expor o conteúdo dos lançamentos. Levanto o gancho de novo somente na segunda-feira.
Não é excesso de cautela. Ela entregou Os outros, O sexto sentido e O segredo dos seus olhos – assassinou estas obras de modo imperdoável.

Tampouco posso convidá-la a me acompanhar nas sessões, o que seria uma saída honrosa para não arcar com a sua prodigiosa antecipação. Não há como conviver, pois ela conversa descaradamente durante os filmes. Mas não é um sussurro no ouvido, não é um cochicho discreto: conversa alto, descreve o que pode acontecer, expressa verbalmente as suas reações. “Olha que lindo!". "Não acredito que foi ele que matou”. “Era o que faltava!”.

É uma narração de futebol ao vivo, mais estridente do que o saco de pipoca ou o canudo do refrigerante. Perfura o silêncio da sala escura como se estivesse de papo em casa vendo televisão.
Acredita que é uma transmissão ao vivo. Deve sofrer daquele caso grave de responder ao boa-noite dos apresentadores do Jornal Nacional.

Além disso, ela aplaude o filme ou vaia, dependendo da cotação passional. Já a observei de pé sozinha numa sala lotada gritando Bravo!. Procurei me dobrar com o assento da poltrona. Jura que o diretor e os atores estão presentes naquele momento para testemunhar a sua comoção.
Desisti de explicar que revelar o fim frustra as expectativas, condiciona o meu olhar e que não é um gesto educado. Ela rebate que é implicância de minha parte e que não faz diferença saber antes ou depois, que dá no mesmo.

Mãe a gente não muda, só se acostuma.

Publicado no site Vida Breve
Coluna Semanal
29.06.2016

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