Blog do Carpinejar

MIRAGEM

Arte de Cínthya Verri

Homem somente pinta o cabelo desesperado. Ou é emo ou é político.

Brizola desistiu de sua candidatura a presidente quando apareceu com cabelo acaju. Seu índice de rejeição assumiu uma proporção inestimável.

Pintar cabelo é um manifesto feminino. O equivalente ao serviço militar obrigatório.

Depois de dezoito anos, é mais do que um experimento, é mudar de vida. Pode sinalizar uma separação, um novo namorado, último recurso para adiar uma dieta, desistência da terapia.

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Serve também para desafiar as mechas maternas. Tanto que a menina desmama quando pinta os cabelos. Um contra-ataque ao coque e trança, artesanatos de postura impostos dentro de casa para ir à escola e festas. Uma revolta ao regime tirânico do laquê, mousse, cera e gel, que obrigava o rosto a permanecer imóvel. Corresponde a mais importante desobediência doméstica. É quando a moça se desarma, se ama e assume a sexualidade de sua brincadeira.

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Superior ao signo e ao histórico escolar, a mulher entende que é pelo cabelo que se apresenta ao mundo. É pelo cabelo que ditará seu perfil, provará que é dramática, romântica, tímida, expansiva, agressiva, esportiva.

Com a bolsa e as sobrancelhas, forma a sagrada trindade da personalidade.

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A idealização do marido não alcança a idealização cromática dos fios.

Ela delira com um cabeleira de bordas, redonda, macia, desembaraçada, lustrosa. Aquela espontaneidade onde não se enxerga o fim. Uma cabeleira infinita. Dobrando o oceano dos ombros. Vibrante.

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Mas é quase impossível concretizar a metamorfose. Por mais que cada uma siga as instruções da bula.

É como imitar as pinceladas de Van Gogh. Como imitar as formas sensuais das banhistas de Monet. Como imitar os movimentos de tons da ciranda de Matisse.

Pintar os cabelos será a primeira traição que o mulherio enfrenta.

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A dureza já encontra seu auge no início. Nem toda mulher quer ser loira, mas toda mulher precisa ser loira. É um pedágio para encontrar a coloração do sonho. Se ousar partir do matiz original para repetir as caixinhas, o espelho quebra. Obrigatório clarear para diminuir o desastre. Na ambição de ser ruiva, uma morena descobrirá o vermelho beterraba, longe do brilho e da intensidade da embalagem. Terá na cabeça um incêndio apagado, sem labaredas, terra devastada, cinzas e fuligem. Só com muita generosidade para chamar aquilo de ruivo, é o mesmo que confundir espinhas com sardas.

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Muçulmanas, católicas, evangélicas, luteranas, taoístas, batistas… Não há religião que salve. O milagre nunca acontece conforme rezado.

Tingindo de amarelo verão, na ânsia de reproduzir os ares praianos de surfista e aventureira, o máximo que conseguirá é cabelo palha de inverno.

A decepção não tem fundo. São quarenta minutos de expectativa frustrada.

Cereja terminará marrom. Após cinco lavagens, torna-se água suja. O preto azulado — que ninguém avisa — dependeria de licitação da Secretaria de Obras. É, essencialmente, piche. Para tirar, apenas cortando.

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Conhecerá a maldição de fadas. A dissolução do castelo. Ao adormecer como Marilyn Monroe e seu fulgurante platinado, acordará como Cicciolina em fim de carreira.



Crônica publicada no site Vida Breve

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