MISTÉRIOS DA ADOLESCÊNCIA
Arte de Tom Wesselmann
Elias era um camelo.
Mesmo. Amigo de trago da adolescência. Nunca ia ao banheiro. Tomava todas e permanecia sentado, puxando a roda no Bar do Beto.
Sua tática amorosa resumia a resistência: não abandonar jamais o posto de guarda. Monopolizou a condição de maior sedutor da Fabico, pelo simples fato de não se levantar para mijar. Ele me dizia:
– Em algum momento, você terá que sair da mesa e aproveitarei a chance de conversar sozinho com a menina.
Ganhava vantagem por atravessar a corrida inteira sem nenhuma troca de pneus. Não perdia tempo com pit stop no mictório. Não experimentava a longa ampulheta das filas, o constrangimento da espiral de gente no corredor. Não gastava um segundo em reabastecimento, reparos, ajustes mecânicos. A sola dos seus sapatos não cheirava o piso ensebado.
Um verdadeiro herói da bexiga presa, queniano da São Silvestre, apto a segurar litros e litros de cerveja longe de sofrer caretas e aperto das pernas.
Poderia estar chovendo, com barulho da torrente escorrendo do toldo, mas ele ficava inabalável, alheio aos comandos de esvaziamento do cérebro.
Nós, homens normais, após horas e horas de cochichos e cantadas, não aguentávamos a maratona do deserto e pedíamos licença para nossos flertes.
Despudorado e lépido, Elias continuava o papo com as nossas pretendentes. Quinze minutos de prorrogação que mudavam o resultado da partida. Quando voltávamos do toalete, a menina, antes tão dedicada às nossas palavras, girava o rosto em chave de boca com ele.
Dava um desespero. Ele nem era bonito, mais para as orelhas de Serge Gainsbourg do que para os olhos de Frank Sinatra. Muito colega desistiu da faculdade de Jornalismo em função da concorrência desleal. Diante de Elias, qualquer um se reduzia a um mijão.
Não entendíamos o desempenho espartano, o mistério budista de autocontrole. Como ele não precisava das passagens obrigatórias ao banheiro?
Iniciamos escala de vigia de seus passos, revezamento da turma; o garçom receberia 20% para informar de eventuais movimentações dele no fundo do prédio, território sagrado dos sanitários. Nada foi comprovado. Será que fazia ioga? Será que havia atingido o alaya-vijnana, o oitavo e mais tênue nível de consciência, onde as sementes cármicas são armazenadas?
Estou rindo até agora. Duas décadas transcorridas, Elias confessou seu segredo: por desforra e para nos humilhar, usava fralda geriátrica.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 02/08/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16780