Blog do Carpinejar

MULHER NÃO TEM DESCANSO

Arte de Eduardo Nasi

A tentação amorosa da paciente diante do seu terapeuta vem do divã.

O divã não faz barriga.

A mulher deita e afina. Não se sente Gioconda ou a mais nova pintura de Fernando Botero.
 
O design da poltrona é o segredo das paixões platônicas.

Ele se curva como um leque. Um sabre. Não se preocupa com a posição. Não precisa encolher o ventre, disfarçar as sobras.

Liberada da aparência, tem tempo livre para amar. E o psicanalista é o beneficiado do contexto.

Divã é sofá de magro. Sofá feito de osso, sem celulite e estria.

Mulher nasceu para posar ali, mexendo levemente os cílios. Fica linda. Se todo o marido visse sua esposa no divã, teria de volta o arrebatamento do namoro.

As sessões de terapia mereciam salas envidraçadas para a mirada terna dos esposos do lado de fora. Seria um berçário do amor. A fragilidade devolveria o interesse.

Homem é que escolhe assento fundo e macio. Despreza sua barriga.

Homem se afunda nas almofadas. Adota superfícies abauladas, verdadeiros cestos de roupas, poços de traseiro. Ele se dobra no excesso de peso.

Homem detesta divã. O que ele quer é seu sofá para se descadeirar.

Homem nasceu para o desleixo. Prefere o conforto a preservar sua imagem. Ele deita no espaldar e estica as pernas. É um horror aeróbico.

Já a mulher não senta sem cuidar de qualquer detalhe do corpo. Sentar não é um descanso, mas um exercício.

Mulher não senta para relaxar, e sim para observar a si mesma.

Sentar é uma arte, uma profissão, uma autocrítica.

Não significa finalmente suspirar, porém atender exigências da etiqueta.

Mulher senta como quem usa salto alto. Não é para ser agradável, é para estar exuberante.

As costas retas, a postura na altura da almofada, o olhar adiante: ela senta como quem caminha (o homem senta como quem nada).

Um cuidado extremo, de quem já se acostumou a mergulhar os pés na bacia para pintar as unhas jamais inclinando a cabeça.

Mulher dobra as pernas com convicção. De um lado é sim, de outro é não. Um braile educado. Um baile poético.

A trupe masculina, por sua vez, cruza as pernas por distração. Nem repara a direção de seus sapatos. É analfabeta da cintura para baixo.

O homem até agora não assimilou que mulher detesta colchão d’água. Nenhum perfil feminino é bonito no colchão d’água. Nenhuma silhueta é esbelta.

Ela deita e se desmancha. Deita e se espalha.

Disforme, estranha, gorda.

Colchão d’água é para baleia. Não ouse convidá-la a nadar de noite.
 

 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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