NA HORA DO RECREIO
Arte de Oskar Kokoschka
Não é falta de educação perguntar a idade a um professor, e sim seu salário.
Questionar o vencimento a um educador municipal ou estadual é uma afronta, um constrangimento perante os outros. Melhor evitar; manter a amizade silenciosa, o respeito telepático, a pose compreensiva.
Mas não perguntar não significa que não sei quanto ele recebe. Acabo descobrindo. É impossível não saber.
Eu vejo cada centavo, cada real de seu contracheque. Toda vez que entro numa sala de professores testemunho um deles comercializando roupas, lingerie ou uma série inédita de produtos da Avon ou da Natura.
Varais preenchem as cadeiras de fórmica: uma festa junina de etiquetas, desafiando a procura pelas térmicas da água quente e do café.
As mesas estarão ocupadas de embalagens sendo abertas e reviradas pela ansiedade do recreio.
O salário aparece nítido no desespero da muamba.
A sala de convivência é casa de penhor, comércio ambulante, camelô.
O professor tornou-se uma formalidade cheia de informalidades. Coleciona rifas além do seu trabalho, senão não sustenta a família, não aguenta o tranco do final do mês, não tem como fazer rancho aos filhos.
É humilhante pensar que aquele que ensina não ganha o suficiente apenas para ensinar.
O magistério é total ausência de exclusividade. Não é uma carreira, é uma mesada do Estado. O professor vive eternamente como um estagiário, aguardando ser efetivado e abandonar a miragem salarial.
Professor usa o intervalo para completar seu orçamento. Acumula tarefas, sobrevive de reforços da receita, não respira à toa, não tem margem para incrementar seu currículo com cursos e especializações.
Professor não conhece férias, mas greve. Não conhece promoção, mas reajuste.
São extras e extras e extras sem fim. Bicos e bicos e bicos infinitos.
É uma comissão aqui, uma porcentagem acolá. Tudo é dinheiro contadinho para as passagens.
Escola é rodoviária. Nosso professor chega com uma malinha pesada. Não são livros, não são cadernos de estudo, são novidades imperdíveis e baratas para serem revendidas.
Ele espalha os pertences pelo sofá e não descansa um minuto tentando convencer seus colegas a levar um dos itens.
Pena que nenhum pode comprar. Porque também são professores.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 05/07/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16750