NÃO EXISTE PACIÊNCIA
Arte de Max Ernest
Pode confiar na mulher que nunca joga fora o xampu quando termina. Porque nunca acha que termina.
São vários potes no box do banheiro. Uma milícia de cheiros. A maior parte com um resto luminoso. Alguns virados para facilitar a saída desesperada da fragrância.
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Um homem, diante daquela lágrima de cisne, não teria piedade e colocaria no lixo.
Não sem razão. É uma sobra simbólica que apenas se mexeria colocando água. Uma massa imóvel, que mal treme. O conteúdo não presta nem para dois enxágues. Para chorar um pouco no pulso, depende de tapas na bunda do pote. Todo xampu velho é um bebê nascendo.
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Mas ela não descarta. Pensa que aquilo que não perfuma seus cabelos é ainda capaz de perfumar suas mãos.
Permanece com a esperança de que um dia terá uma emergência e ele será útil. Para seus olhos, nada está inteiramente morto, nada está inteiramente esgotado.
Contribuem para sua crença as brincadeiras de faz de conta na infância, a sopa de folhas e o refrigerante de terra. Não depende de muito para seguir vivendo, pede um mínimo de realidade; acostumada a sempre completar por sua conta.
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Não existe paciência, somente fé. Mais da metade de um marido bom é imaginação feminina.
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A mulher que não joga o xampu fora não jogará nenhum homem fora. A menos que ele esteja seco por dentro, acabado, sem nenhuma emoção para oferecer, consumido pelo silêncio da esponja. Ela eliminará o sujeito de sua vida após várias tentativas, até se convencer de que ele não rende nem mais espuma. Nem mais passado.
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O que me leva a concluir que quem pensa demais não faz, não se arrisca, não se entrega. O pré-requisito é criado para impedir que mudanças aconteçam.
É necessário ser imaturo para amar. É necessário ser imaturo para engravidar. É necessário ser imaturo para juntar as tralhas e pertences, construir uma casa em comum, e seguir ameaçado pelo humor do próximo.
Merece o amor quem trabalha por ele, quem sofre por ele, quem não quis ser mais inteligente do que sensível, quem é absolutamente idiota para sacudir um pote de xampu já findo.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 3/05/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16689