Blog do Carpinejar

NÃO SOU GAY

Arte de Eduardo Nasi

Desculpe decepcionar, mas não sou gay.

Sou hétero, tosco, apaixonado por buceta.

Sempre me relacionei exclusivamente com mulheres e será assim até o fim do meu tempo.

Não tenho nenhuma queda pela bissexualidade, não me passarei por moderno, não defendo swing, relação aberta ou sexo livre.

Minha liberdade sexual é intimidade.

Nunca me esconderia no armário, tenho muita roupa para guardar.

Seu preconceito é com qualquer um que conheça o universo feminino, como só o gay fosse sensível, observador e atento.

Você não gosta de homens que perturbem seus modelos.

Você gosta de homens monotemáticos, preguiçosos e diretos, presas fáceis da dominação.

Não é o meu caso. Posso ser submisso para influenciar ainda mais. Posso ser generoso para receber ainda mais.

O contrário é persuasivo. Quem é somente o que é não entendeu metade da missa em latim.

Talvez estranhe minha voz de turista (superei sérios problemas de dicção na infância), talvez estranhe meus gestos espalhafatosos (abraço até o vento), talvez estranhe minhas roupas extravagantes. No fundo, eu me acho apenas desengonçado.

Realmente sou educado: não vou arrotar em público, cuspir minha gripe no canteiro, palitar os dentes em churrascaria.

Minha preferência é por expor meus sentimentos: vou gritar por amor em público, pisar nos canteiros por ciúme, rilhar os dentes por justiça.

Não me envergonho de minhas dúvidas e sou capaz de permanecer horas ao telefone com amigos falando de relacionamento. Assim como qualquer mulher.

Sei fazer nó de gravata e, se precisar, posso ajudar a se maquiar. Assim como sei trocar lâmpada e pneu.

Na ausência de terapia, arrumo a casa. A faxina é um exorcismo barato, além de ser uma lição de humildade.

Gay não é aparência, gay é alma, e minha alma é essencialmente masculina. Tive vários casamentos e meu sonho é me aquietar com alguém que me entenda e me admire até envelhecer.

Sou independente, feio e estável financeiramente.

Aliás, sou tudo o que escrevo.

Minha solidão não dura sequer duas horas. Sofro de hiperatividade amorosa, sempre penso em fazer uma gentileza e agradar minha companhia. Ser carinhoso é também irritante, já que crio dependências desnecessárias.

Amo balada desde que possa sair na hora em que quiser. Festa boa não significa ficar até amanhecer, já aprendi isso em minha adolescência.

Danço com os braços e as pernas, meu quadril não se movimenta, infelizmente. Meu samba é batucar caixa de fósforos, desafiando a escuridão.

Cozinho apenas o básico para os filhos: ovo, arroz, massa e bife. Pai PF.

Perco meu senso de humor quando meu time perde. Vou ao estádio aos domingos, com a minha camiseta da sorte e o radinho de pilha da minha infância.

Sofro quando sou incompreendido, mas também quando sou compreendido rapidamente (daí eu me sinto superficial).

Meu temperamento não é fácil: encontro sempre uma desculpa para minhas falhas ou inverto a conversa para me beneficiar.

Não tenho motivos para mentir.

Olhe só como o mundo mudou: hoje temos que assumir que somos hétero.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
20/8/2014

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