NATI MORTA
Não há mais fotos nas redes sociais. Não há mais nenhuma aspas. Não sobrou nenhuma réplica de você pela casa. Parece que você nunca existiu. Parece que você nunca nasceu. Quem chega agora em minha vida jamais ouvirá seu nome. Jamais conhecerá suas teimosias e aflições. Nem recordo como era o seu riso, nem recobro como era o seu choro, tampouco vou me esforçar. Emprego toda a minha energia para matá-la em mim.
Não puxo águas antigas do poço de meus olhos, estas águas contaminadas de sua sede. Só bebo palavras novas, palavras potáveis da minha boca. Não falo mais por você. Não calo mais por você.
Tivemos sorte para nos desvencilhar. A educação favoreceu a distância – é uma generosa pá de terra. Não nos atrapalhamos com saudade, telefonemas e surpresas.
Desfrutamos ainda do privilégio de contar com amigos cordatos, que optaram pelas omissões simpáticas dos últimos meses de nossas vidas. Não sofremos constrangimentos, não atravessamos questionamentos das páginas em branco do nosso álbum de retratos.
E não existe motivo algum para competir comigo. Eu me encontro em idêntico estado. Não guardo vantagem ou desvantagem. Todo separado só tem a memória de curta duração. O amor é um apagão tanto em seu auge quanto em seu fim. O amor é um Alzheimer que atinge duas pessoas ao mesmo tempo.
Ninguém mais falará da gente. Talvez os amigos e familiares até elaborem aproximações, mas mudam de assunto. Somos uma história proibida, uma história silenciada, uma história proscrita.
Retornamos ao anonimato. O esquecimento nos devolveu para antes de tudo. O depois de tudo e o antes de tudo são iguais, com a diferença de que estamos fingindo que não nos conhecemos.
Há uma cumplicidade na separação que nunca conseguimos na convivência. Há uma afinidade na distância que jamais adquirimos juntos. Pela primeira vez em nossa relação concordamos em algo: assentimos em não escrever, em não visitar as páginas de cada um e também não frequentar os mesmos lugares. E nem precisamos combinar, fizemos intuitivamente! Merecemos cumprimentos. Adivinhamos o desejo do outro de modo inédito. Somos a prova viva de que sempre dá certo morar em casas separadas.
Publicado no Portal Vida Breve
Coluna Semanal
10.08.2016