O AMOR CAINDO
Foto: Gilberto Perin
Com filho pequeno, você não deve ficar nem um minuto desatento, para evitar tragédias. Sua cabeça tem sensor e se prende aos movimentos do pequeno na praça, no shopping, na saída da escola, na própria casa, enredada com tomadas, objetos e altura perigosa dos móveis.
O amor é sempre uma criança de colo. Não permite lapso, distração, fuga de pensamento.
Você não pode pensar que conhece a sua esposa e não se surpreender. Você não pode supor que está tudo bem e parar de perguntar. Você não pode cansar de se importar e imobilizar a emoção. Não pode se dar ao luxo de relaxar que custará uma vida doendo por dentro.
Amor é atenção extrema, desaforada de existir.
Como é triste e decisivo quando a mulher perde um brinco no jantar, e você não nota nada. Aquela orelha avulsa é a desesperança. Aquela orelha nua é o frete de mudança se aproximando. Aquela orelha manca é a falta de pernas das palavras. Aquela orelha sozinha é o divórcio vindo. Não é brincadeira. Você é o espelho dela em movimento e se posiciona para o lado oposto. Para o lado contrário. Para longe dali. Não mais reflete o presente, apenas se contenta com o passado.
Pois não é capaz de reparar a falta de brilho num dos lóbulos. Olha o rosto dela e não olha de verdade. Olha para esquecer, não para lembrar. Se não percebeu a tempo que algo desapareceu, não será atento quando ela se desapaixonar e extraviar a cintilação dos olhos. Seguirá igual, sem o peso da observação que mantém ilesas as crianças e a paixão.
O brinco solteiro é o amor caindo. Para nunca mais ser par.
Seja o primeiro a apontar o sumiço, antes que ela se dê conta que já não é mais real no casamento.
Publicado em O Globo em 11/05/17