Blog do Carpinejar

O AMOR TEM SONO LEVE

Eu, namorada Juliana e minha filha Mariana. Foto de Rodrigo Rocha

Só aprendi a amar uma mulher depois de ser pai.

Antes me amava mais do que amava o outro.

A paternidade mudou meu mundo. Pela primeira vez, me tornei invisível, desaparecia no interior da casa, alguém era mais importante do que eu.

Permanecia 24 horas cuidando de minha filha. Existia por ela, para ela. Passei a destacar o que não seria notícia, a me interessar pelos assuntos da praça, pelos cuidados médicos, por aquilo que havia dentro do armário do banheiro, dentro da despensa da cozinha, dentro de minha cabeça.

Só quando pai é que descobri a diferença dos detalhes, a reparar na gola da camisa desarrumada, no farelo do canto da boca, na remela nos olhos, na previsão meteorológica, na lista do mercado sonhando almoço e janta.

Antes amava a noite mais do que o dia.

Quando nasceu minha filha, me dediquei à ordem doméstica. Dispensei creche para assumir a rotina do nosso bebê.

Meu expediente consistia em acordar, dar comida, trocar fraldas, dispor brinquedos, arrumar bagunça, levar para passear, preparar o banho, contar histórias, fazer dormir. E repetir exatamente tudo igual pela semana.

Controlava os horários com rigor. O relógio entrou em meu sangue.

Era um tal estado de solidão e carência, que todo beijo parecia um abraço dos lábios. Era um tal estado de isolamento, que toda visita recebia o dobro de festa.

Tinha direito a três telefonemas, justamente no momento em que minha criança descansava.

Brilhava cada palavra vinda dos amigos, como se fosse um sopro benfazejo de praia no rosto.

A paternidade transformou meus ouvidos. Eu comecei a escutar a residência inteira, jamais dormi igual. Meu sono agora estava atento a qualquer ruído, generoso, preparado para a vigília.

Só aprendi a amar uma mulher depois de ser pai. Arrumando a merendeira, me importando se o uniforme da filha estaria seco, conservando a memória da banalidade.

Antes não me julgava romântico, antes não me via sensível, antes não compreendia vésperas.

Foi untando os dedos de hipoglós que valorizei o uso do perfume, foi juntando meus pedaços que me formei inteiro.

Só com a paternidade aprendi a esperar, aprendi a abandonar o egoísmo, aprendi a planejar presentes, aprendi a ser provisório e não mais idealizar encontros, aprendi a aproveitar o tempo que eu tinha e o tempo que podia, aprendi a não reclamar à toa, a não mais diferenciar a janela da porta e o amor do perdão.

Só aprendi a ficar de pé depois de ser pai, antes minha fé apenas engatinhava.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 28/05/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17446

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