O BRANCO QUE PASSA EM BRANCO
Arte de Toulouse-Lautrec
O homem tem uma séria desvantagem na praia em relação à mulher. O que justifica o nosso descaso para permanecer horas a fio em cadeira reclinada à beira do mar.
Não tem nexo tomar sol, expor-se aos raios como se a pele fosse um livro para ser trocado de página pelo vento.
Não há significado algum em banhar-se de luz de costas e de frente, simetricamente.
Não existe justiça para o trabalho masculino de se bronzear.
A mulher é valorizada pela marca branquinha que fica do biquíni; já o homem não, de modo algum.
É uma desigualdade estética, social e política.
Homem é apaixonado, louco, enfeitiçado por aquela região que evoca o líquido corretivo do papel. Tece homenagens, rilha os dentes, oferece piruetas de cachorro pidão quando ela se entremostra. Reconhece a glória da pele albina debaixo dos trajes, que determina o quanto ela se queimou e o quanto estava branca, que auxilia na comparação do antes e do depois, que pode ser demonstrada pela parte de cima ou pela parte de baixo do biquíni.
Por sua vez, a mulher não dá a mínima para o nosso branco ao tirar a sunga ou a bermuda. Ela ri. Ela debocha. Ela inventa piadas.
– Olha como está branquinho! – e aponta.
Não está excitada, não é uma reação de arrebatamento e volúpia, de morder os lábios e imaginar safadezas.
Desponta inofensivo como o focinho de um ursinho de pelúcia. É um detalhe bonitinho e fofo e querido e mimoso, nada a acrescentar na fantasia a dois.
Não tem a gravidade de um enredo picante, o combustível visual de uma atração fatal.
O branco nas coxas do macho não excita as fêmeas, não entra no ranking dos cinquenta e um tons de cinza. Não provoca nenhum frisson, não é um fetiche sexual e um afrodisíaco.
A sunga não será uma peça disputada nas últimas rodas do strip poker, talvez caia nas primeiras rodadas do truco.
Elas não chegam perto e sussurram:
– Posso espiar?
Longe de repetir nossa avidez e malícia para conferir a diferença da cor e o contraste.
Não compreendo o motivo. Temos tão poucos atrativos para esnobar. Não pintamos as unhas, não hidratamos os cabelos, não corrigimos as sobrancelhas, não nos depilamos.
Deixem-nos a sensualidade da marca da sunga, por compaixão.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 15/02 /2015 Edição N°18074