Blog do Carpinejar

O CASAMENTO É MEU PLANO DE SAÚDE

Arte de Cínthya Verri

Quando passei a namorar uma médica, realizei um sonho. Finalmente poderia ser um hipocondríaco em paz; desfrutar de fontes privilegiadas, efeitos colaterais emprestados e dores extravagantes; usar as tarjas pretas e vermelhas como braceletes.

Teria repouso hospitalar dentro de casa, o luxo de uma caixinha de pronto-socorro atualizada. E nem dependeria de receita.

Eu só não havia morrido por desinformação, pois não conhecia um número suficiente de doenças para comparar os hábitos com os sintomas.

Envolver-me com uma médica renderia tranquilidade enciclopédica para sofrer, encontraria alguém que acreditaria em mim, que faria vigília durante os surtos na madrugada.

Cínthya significava teatro liberado no lar: a redenção das falsas febres da escola, dos fingidos desmaios da educação física, do mal-estar no recreio antes das provas.

Aquietava-me a perspectiva de que cada conversa fosse uma consulta. Levantaria o fone:

— Amor, estou tonto, com lábios secos e indisposição estomacal, o que tomo?

E ela me responderia, rápida e certeira, como portaria de hotel.

Para mim, médico não deve salvar, seu papel é crer somente na minha doença, ainda que seja inventada.

O que aconteceu com Cínthya foi o contrário. Ela é realista como o SUS. Nunca tem vaga. Nunca tem leito. Não me permite ficar enfraquecido, já me amaldiçoa. Diz que não me valorizo, e que ela não é uma babá. Assim, com grito e tudo, com o rancor da ternura. Muito mais veemente do que minha mãe e minha avó.

É bem provável que me bata se aparecer reclamando do cansaço — não arrisco, seu silêncio é impaciente para testá-lo com brincadeiras.

Ela me ama em excesso para aceitar que eu me destrua impunemente. Como marido de médica, espera que me cuide e dê o exemplo.

— Nem vem reclamar, é grandinho e não respeita seus limites.

Instala-se em mim uma orfandade. Em vez de contar qualquer coisa de errado, cabulo dores e enxaquecas, escondo formigamentos e sinais, apago as bulas nos olhos.

Não é exagero de minha parte. Nunca tenho certeza se ela está me acarinhando ou fazendo um diagnóstico. Talvez os dois, sempre. No último trimestre, ela estranhou meu apetite por chocolate, as alergias estranhas, a indisposição permanente, o peso súbito nas pernas, e desconfiou de diabetes. Encheu meus ouvidos semanas a fio em nome do exame de sangue — virou oração antes de dormir.

— É desse modo que se preserva?

Até que tomei vergonha, jejuei e cumpri o calvário no laboratório do hospital. Buscava um pouco de tranquilidade, o bônus de uma vida para gastar no fliperama das veias.

No dia seguinte, ao meio-dia, Cínthya telefona. Foi um aperto na garganta, vá que o resultado indicasse a doença.

— Amor?
— Sim, tá tudo bem?
— Não é diabético.
— Ufa, falei que não havia nada, vamos comemorar.
— Não!
— Que foi agora?
— Seu colesterol é de velho, 260, 260!, tem que reduzir os doces, a carne, o ovo…

Não tive saúde para ouvir as inúmeras restrições. O que fiquei sabendo é que toda médica odeia ser enfermeira.



Crônica publicada no site Vida Breve

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