Blog do Carpinejar

O CASEIRO DO MAR

Afastado da família por quase três meses, Bacelar sobe os 161 degraus e 39 metros do Farol de Mostardas quatro vezes ao dia. Foto de Emílio Pedroso

Ele apaga e acende a luz de um dos mais importantes faróis do Rio Grande do Sul. É o caseiro do mar, o zelador das ondas e do vaivém lírico da costa marinha gaúcha.

O suboficial Luis Carlos Donato Bacelar, 50 anos, pernambucano de nascimento e gaúcho por adoração, sobe 161 degraus quatro vezes ao dia. Mantém ativo o Farol de Mostardas, em Tavares, cidade litorânea de 5,2 mil habitantes, a 217 quilômetros de Porto Alegre.

Inaugurada em 1894 e reformada em 1940, a construção é um dos oito faróis que permanecem guarnecidos no Rio Grande do Sul, dispensando estrutura automática e dependendo do controle de um faroleiro.

Do mirante, o bege das dunas, o cinzento dos terrenos baldios e o verde escuro das águas formam uma fusão extraordinária.

– É um outro planeta, uma Antártica sem gelo – suspira.

Bacelar atravessa 85 dias por ano, de 6 de junho a 29 de agosto, na casa da Marinha aos pés do farol, completamente isolado, suportando a saudade da família. Pretende apenas iluminar, não ser O Iluminado de Stephen King:

– Não posso parar um minuto, cumpro permanente agenda física e intelectual para não ficar banzo.

A mulher, Denise, 49 anos, e seus três filhos – Luiz Carlos, 21 anos, Pedro Augusto, 18 anos, e Renato, 12 anos– moram em Pelotas. Ele não pode trazer nenhum parente durante o serviço.

– Meus olhos me fazem companhia – diverte-se.

Vinte e cinco barcos pesqueiros e mercantes que passam pela praia são suas visitas, ainda que visuais.

Bacelar não pode perder a hora. Liga o facho que atinge 40 milhas exatamente ao pôr do sol, às 17h45min, e desliga ao amanhecer, 7h10min.

Disposto a não enlouquecer, alimentou uma disciplina severa de pequenas e simpáticas missões. Uma delas é mandar quatro boletins meteorológicos diários para o Centro da Marinha, no Rio de Janeiro. Alistado desde que era adolescente, há três décadas no serviço, formado em Hidrografia e Navegação, ele se define um marinheiro de várias encarnações. Não existe porto que não conheça no país, de Belém a Rio Grande.

Sua dedicação ao farol gera ciúme na mulher, que telefona várias vezes de tarde.

– Eu entendo o ciúme. A torre é mesmo feminina, vestida de azulejos, demora para se arrumar e piscar para o oceano. Exige cuidados especiais, vaidosa como uma apaixonada – provoca.

E Bacelar não nega carinho à sua amante de 39 metros. Varre as escadas e pinta a fachada de preto e branco, sobe a cada mudança climática para tirar ou pôr as sanefas (cortinas) da cabine, e proteger as lentes e cristais franceses.

Ele tem acesso a entrar a qualquer instante no espaço sonhado por todo adolescente, em especial aos que já namoraram nas casinhas de salva-vidas e que sempre desejaram passar uma noite romântica no alto do farol.

– Vejo jovem tentando pular a cerca, mas não dá. Esse janelão tem dono.

O faroleiro do litoral se delicia com a exclusividade do horizonte. Lança o lampejo como quem coloca um poncho no mar.









Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 35, 18/06/2011
Porto Alegre, Edição N° 16733
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