O CHIMARRÃO MAIS RÁPIDO DO MUNDO
Schwengber arruma o mate em oito segundos. Fotos de Jean Schwarz
O tempo de preparo de um chimarrão costuma ser de cinco minutos.
Não para o administrador Pedro José, 59 anos, que detém o recorde mundial. Arruma o mate em inacreditáveis oito segundos. Enquanto o leitor ainda está soletrando seu sobrenome (S-C-H-W-E-N-G-B-E-R), ele já acabou e estende a cuia.
Bigodudo, de lenço vermelho e vestido a caráter para o bochincho, dispensa firulas na hora de aprontar a mais famosa bebida do Rio Grande do Sul.
Qual o mistério? Nenhum: põe uma colher de erva, em seguida despeja água quente até o pescoço da cuia e cobre a abertura de novo com erva. Deu! O resto é empurrar o verde com a bomba e criar uma lateral.
– Temos que simplificar o ato e parar de assustar os visitantes, como se fosse difícil. Qualquer um pode preparar – avalia.
Sua crença tem produzido uma seita em Venâncio Aires, terra de 65 mil habitantes, situada a 127 quilômetros de Porto Alegre. Pedro coordena a escola itinerante de chimarrão, ONG criada em 2004 para preservar a tradição. Levou a expressão de “mala e cuia” a sério, estruturou um ônibus e escalou uma equipe de professores a ensinar como se arma um mate para as crianças no Estado. Transmitiu a arte do chá manso gaúcho a 1 milhão de pessoas.
– Gosto mais do chimarrão do que de café – confessa universitária de Direito da Unisc Eduarda Lenz, 17 anos, que frequentou a Escola de Chimarrão.
O mate é uma unanimidade em Venâncio Aires, uma mistura divertida de religião e ciência.
– Quem mora aqui é obrigado a tomar, senão não ganha desconto no IPTU – brinca Cíntia Leissmann, 22 anos, promotora de eventos.
Tudo no município traz chimarrão no nome: empresa de transporte, vidraçaria, sapataria, pet shop, mercado, salão de beleza. Na tarde dominical, cerca de 300 moradores lotam as escadarias e arredores da Igreja da Matriz para gervear à vontade, até o sol cansar.
– Nem compro erva, recebo de graça na praça central – diz a aposentada Elci Terezinha da Rosa, 62 anos, uma das seguidoras apaixonadas do amargo.
Dispensável perguntar para alguém da comarca se faz chimarrão, eles já saíram do ensino fundamental da erva, estão na pós-graduação.
– Faz chimarrão?
– Qual tipo? – respondeu o lojista Evandro Hochscheidt.
– Hein?
Há vários tipos de chimarrão na cidade, além das generalizações de “curto” e “longo”. Uma oferta de desenhos que supera os nós de corda da Marinha. Na verdade, ele é preparado em 32 modelos. Ou obedecendo a alguma figura (roda de carreta, formigueiro, ferradura e toca de tatu) ou seguindo uma estética (tapado, repartido, invertido) ou ainda de acordo com um ambiente (praia, serra, galpão).
– Acho que o chimarrão veio antes da mamadeira – ri Evandro.
Sua influência está na versatilidade do uso. Atende tanto momentos de solidão como de solidariedade.
– Quando estou sozinho, vou de chimarrão. Acompanhado, vou de chimarrão. Uma ida e volta de mim – diz.
Pedro José Schwengber tem na ponta da língua as recomendações médicas:
– É estimulante do coração e do sistema nervoso, elimina os estados depressivos e tonifica os músculos contra a fadiga e o cansaço; tem complexo B, cálcio, magnésio, sódio, ferro e flúor. Se o vinho é bom para saúde, o chimarrão é tribom.
O mateador mais veloz do mundo é cheio de H, carrega um termômetro junto da térmica.
– A água quente deve estar em 70°C. A temperatura determina mais o sabor do que a própria marca da erva.
Questiono se não é frescura medir a água quente.
– Bobagem, o mate é a nossa febre, não pode baixar.
OS MANDAMENTOS
Quem participa de uma roda em Venâncio Aires entrou no jogo carregado de regras e sutilezas.
1 - Não peça açúcar no mate.
2 - Não se entrega o mate ou se recebe com a mão esquerda.
3 - Ao se enganar, diga: Desculpe a mão!
4 - Só o cevador tem a licença para arrumar e mexer na erva. Não adianta fuçar a bomba ou ajeitá-la por conta própria, mesmo que o chimarrão esteja entupido. Devolva ao dono que ele arruma.
5 - O primeiro a beber é sempre o que fez.
6 - O segundo mate partirá para o mais velho ou para um homenageado.
7 - A cuia segue no sentido anti-horário, do lado direito (o lado do laçar) em diante, de volta ao cevador.
8 - Perderá pontos se não roncar a cuia. É preciso tomar a água até o fim, senão é descortesia.
9 - Não agradeça, é compreendido como uma despedida.
10 - Não durma com a cuia na mão.
Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 30, 07/05/2011
Porto Alegre, Edição N° 16693
Duvida da rapidez do bagual? Veja o vídeo de preparo do mate