Blog do Carpinejar

O CIÚME É COMO UM ANÃO DE JARDIM

Arte de Cínthya Verri

“Boa noite!

Há coisa mais perigosa do que uma namorada ciumenta e pré-menstruada querendo conversar (por torpedo) sobre algo que talvez você tenha feito, mas ela não quer dizer? Já constatei que a melhor defesa é a aceitação. Sim, é uma cilada. As acusações são fruto de mentes momentaneamente alienadas. Agora tenho que sair urgente, o celular apitou, tenho poucos segundos para responder, senão estarei suscetível a uma acusação de descaso. Hehehehehe.
Um abraço,
Eugênio”

Querido Eugênio,

O ciúme sempre é visto como uma alegria no início do namoro. Uma demonstração de pertencimento. Um sinal de que se importa com ela e que pretende dividir a fidelidade. A cena é clássica, você pergunta quem é o sujeito de abraço exagerado, ela repara no seu beiço e grita, vaidosa:

– Tá com ciúme de mim? Ai, que lindo, você me ama.

O ciúme é um “eu te amo” disfarçado.

Depois, quando a relação se firma, o ciúme torna-se um sinal de incompreensão, de abuso de poder.  Não admitimos qualquer suspeita. Uma pergunta sobre nossos hábitos é vista como uma invasão:

– Não confia em mim?

O ciúme passa a ser um “eu te odeio” disfarçado.

Antes, gerava orgulho. Em seguida, produz receio. Curioso, né?

Só que o ciúme não mudou, nós é que mudamos diante dele.

Tenho certeza absoluta que você colabora para justificar o medo dela. Pelo jeito que escreve, gosta que ela arda de ciúmes. O celular apita e você já vibra: é ela, questionando onde está ou por que está demorando.

Não é voluntário, é inconsciente. Ela faz declarações cada vez mais dependentes, assustadas, e você se vê dominando o relacionamento. Na verdade, admira a perseguição, os sucessivos interrogatórios, aquilo que chama de chatice para os amigos. Aposto que demora a dar respostas de propósito. Um homem fica em silêncio por vaidade, para parecer mais experiente e sedutor. Poderia logo desfazer intrigas, mas adora ser confundido com um Casanova.

A honestidade é divertida, experimente. Não faça de conta que ela é louca, que somente ela sofre de insegurança. Somos igualmente possessivos, temos fantasias cruéis e ridículas. Não diga que a insistência dela é fruto de uma mente momentaneamente alienada.

Uma das grandes tentações da relação é usar a fraqueza alheia a nosso favor. É um auto-elogio. Criticamos o comportamento do par com o objetivo de avisar, por tabela, que somos sadios e equilibrados, que não oferecemos motivo para perseguições.

O ciúme é como um anão de jardim. Você nunca verá um anão sozinho. Ele sempre tem companhia.

Abraço com toda ternura,
Fabrício Carpinejar

Querido Eugênio,

Irei direto ao ponto, pois você é um homem objetivo: a aceitação não é a melhor forma de defesa; a aceitação é a melhor forma de ataque.

Não existe melhor álcool para o fogo da briga do que a indiferença. Você vem desprezando o que ela diz, como se fosse sempre a mesma reclamação. Com seu jeito falso carinhoso, você está agredindo sua namorada. “Ela é, no mínimo, paranóica. Eu não, sou um homem elevado, fino, calmo, equilibrado, que jamais se abala por suspeitas infundadas.”

Além disso, Eugênio, você nunca menstrua, não é mesmo? Querido, não desista ainda de ler esta carta. Juro que não quero ofendê-lo. Eu mesma nunca tive muita paciência com as inseguranças dos namorados, cheios de acusações e perguntas de duplo sentido.

Por um lado, as mulheres podem até se sentir importantes. Não recebíamos tantos olhares desde o berçário. Mas é cansativo, você tem toda a razão. Dá vontade de humilhar, de maltratar para ver se o outro aprende.

Só que não há pedagogia no amor. Estamos juntos nessa. A confiança excessiva que você demonstra também é um pouco mentira. Pode ficar furioso comigo, mas você é um grande ciumento disfarçado.

Quando nos comprometemos com outra pessoa, já não somos mais um só. Acontece uma fusão. Sua namorada também deve se questionar diante da própria hesitação. Mas ela tem pago a conta por vocês dois. Ela executa o papel que você não está conseguindo desempenhar.

Duvida? Pois faça o teste: experimente desconfiar dela algumas vezes, assuma o ciúme que você tem daquele colega de trabalho com quem ela se dá tão bem. E observe se a cota de cobranças não fica mais equilibrada.

Beijos meus e até mais,
Cínthya Verri

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Caderno Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 27/05/2012 Edição N° 17082

ESCREVA PARA colunaquaseperfeito@gmail.com

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