Blog do Carpinejar

O COQUE É IRREFUTÁVEL

Arte de Cínthya Verri

A lanchonete é minha caixinha de música. Eu não estava com fome, mas pedi um pastel, uma torrada e uma vitamina. Não estava com fome de verdade, mas seria capaz de morder a boca com duas colherinhas de açúcar. Era cedo da manhã e o dia me engolia em Alegrete (RS).

É que não resistia às garçonetes, ao coque de tricô das garçonetes, ao baile dos ninhos dos cabelos sobrevoando o ambiente como bandejas reluzentes. Quis colocá-las em movimento. Ansiava pelas suas nucas ligeiramente à mostra, que se aproximassem de mim para soprar seus cabelos. Apoiava o rosto entre os cotovelos para admirar a mecha desalinhada na testa; um charme da respiração; os fios desobedientes da touca recaindo sobre as sobrancelhas.

A garçonete é uma bailarina à paisana. O coque igual a uma bailarina em meio à bagunça dos pratos na pia, dos copos enfileirados, da chapa acesa. Ela não absorve o que está fazendo, não dá nome, mesmo sem nome é lindo. Se houvesse um diretor de balé chamaria o vaivém de adágio e derrubaria tudo com nomes franceses como développés, grand fouetté em tournant, grand rond de jambe e rond de jambe en l’air. Para decorar os movimentos, a jovem esqueceria os pedidos, perderia a espontaneidade, não seria ágil e leve justo pela consciência do palco.

Estragamos metade da beleza dizendo o que é e a outra metade dizendo o que não é. Não me resuma. O que é intenso não é prático. Confundo o que vejo com aquilo que desejo. Quem pretende comer numa lanchonete que seja prático, que pague e saia logo. Eu invento a fome para ficar.

Não sou prático, nunca gostei do porquinho Prático, o mais arrogante dos três, que demora a abrir a porta aos irmãos e exige desculpa. Faço a casa provisória de feno e de madeira, assim escuto melhor o vento.

As maiores ofensas são práticas, com o ímpeto de resolver logo e se despedir da conversa. Quando alguém tenta ser prático comigo, vem grosseria, vem falta de tato, vem preguiça impaciente. A praticidade é uma nova forma de ser sincero e falar sem pensar.

As mãos da garçonete se dobram como os pés da bailarina. Não troco minha distração pelo desinteresse. Os dedos esticados com força no balcão anotam meu pedido: um pastel, uma torrada, uma vitamina e o coque. Aplaudo com as pálpebras.





Crônica publicada no site Vida Breve

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