O ENIGMA DA BOLSA DAS MULHERES
Arte de Leonora Carrington
Homem carregando bolsa de mulher é cavalheirismo ou o cúmulo da submissão?
Eu fico sempre baratinado.
Costumo carregar a bolsa de minha esposa no shopping quando leva minha carteira e algum livro. Eu me vejo culpado pelo peso extra.
Mesmo quando não sou beneficiado diretamente, bate uma compaixão em vê-la se esforçar com os ombros. Ela trocará de braço a cada dois quilômetros na esteira das lojas.
Toda bolsa de mulher é uma mala sem rodinhas.
Mas tampouco entendo por que ela não faz uma limpeza pontual para aliviar o chumbo.
Não tem sentido dispor de um secador de cabelos, por exemplo, naquele passeio. Ou tem? Ou ela acredita que será disparado um alarme de incêndio acionando as mangueiras do teto em nossa cabeça? Será que ela pensa nisso (é de dar medo se prevê a vida com tanto engenho e longevidade)?
Não custaria nada, antes de sair, eliminar o que não é essencial.
E não é que ela esqueceu o que havia dentro da bolsa, mulher somente faz faxina na bolsa quando adquire uma bolsa nova.
Enquanto usa, acumula o mundo em suas profundezas de couro. É sua impressora 3D, imprime objetos na hora.
Não acho correto o trabalho masculino, pois ela poderia ter sido mais econômica. Deveria aprender a lição arcando com as consequências.
Até porque o homem que aceita transportar a bolsa da mulher não será valorizado por nenhuma estranha no caminho.
É muita submissão. Ele se apagará para ser um caddie – carregador de tacos de golfe.
Ninguém repara no caddie, apenas no golfista. O caddie desaparece nas corcovas do gramado.
Além da invisibilidade imediata para a concorrência, não nos vestimos para combinar com a bolsa dela. De repente, estaremos de azul marinho com uma bolsa marrom. É o fim da harmonia. Então, teríamos que mergulhar de vez na vassalagem e perguntar para a mulher qual bolsa pretende colocar para definirmos nosso figurino.
– Amor, tenho que me vestir, já escolheu a bolsa?
E também não é justo carregar algo em que não poderemos mexer. Jamais deixará que a gente pegue coisa alguma de dentro do seu conteúdo. Somos menores de idade diante de qualquer bolsa feminina.
Vejo que não permite a ação de nossa curiosidade para evitar o estresse dos interrogatórios. Questionaremos o motivo de ela estar com metade das tralhas. A conversa não desembocaria em nenhum acordo. O que é dispensável para o homem é fundamental para a mulher.
Entro em parafuso se é correto ou não fazer esta gentileza.
Seremos favorecidos, por outro lado, com o acervo surpreendente. A bolsa é um pequeno ambulatório, é um toalete ambulante, é uma oficina de costura.
Sem papel higiênico no banheiro, onde encontrará um rolo salvador? Na bolsa dela!
Na primeira pontada de uma enxaqueca, onde encontrará o medicamento redentor? Na bolsa dela!
Descosturou a camisa, onde achará linha e agulha? Na bolsa dela!
Somando os prós e os contras, o problema existencial resultará num empate.
Como voto de minerva, sugiro não carregar a bolsa, porém realizar um curso de massagem para aliviar as dores nas costas de sua esposa.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 31/8/2014 Edição N°17908