O FIM DEMORA
Quantos términos para o término de um amor?
Quantos “agora acabou!” é necessário dizer para realmente acabar?
Quantas portas a bater até entregar a chave?
Quantos desaforos até calar a boca?
Quantas discussões até conversar com calma?
Quantas gavetas serão esvaziadas até arrumar a mala?
Quantas desistências existem dentro da insistência?
Quantos reavivamentos são possíveis de um fogo morto?
Quantas recaídas até cair de vez?
Porque descobrir o fim ainda não é comunicar o fim.
Porque determinar o fim ainda não é explicar o fim.
Porque sentir o fim ainda não é encaminhar o fim.
É um amigo falar que seu relacionamento não tem mais saída, que eu já sei que ele caminhará muita rua antes de enxergar a parede.
É mais um desabafo do que uma verdade.
É mais uma vontade do que uma realização.
É mais um despacho do que um despejo.
Está no começo do fim, o que não significa fim.
Está elaborando o fim, mas não selando o fim.
Está roteirizando o fim, mas não contracenando o fim.
Está preparando o fim, mas não alterando a vida.
O fim demora. O fim é semelhante a muitos reinícios. O fim é procurar o melhor jeito de contar a notícia. O fim é ouvir o contraponto. O fim é oferecer mais uma chance. O fim é cansar de tanto casar. O fim é exaurir os apelos. O fim é depor as armas e não mais impor mudanças. O fim é esgotar as chantagens e as ameaças. O fim é se perdoar pouco a pouco por quebrar as promessas. O fim é não criar mais desculpas, é não ser mais bonzinho, é não querer repassar a culpa, é assumir a responsabilidade, é não ser o certo e não julgar o errado. O fim é bloquear o coração mais do que o telefone. O fim é longo.
O fim é serenidade que vem depois da adrenalina do desespero. Não é chorar, chorar é o princípio do fim, o fim é quando as lágrimas secaram, é quando os olhos pararam de nadar, é quando não há esperança de resgate.
Encerrar uma relação imita o cartucho de qualquer impressora. O computador indica o término, mas poderá imprimir mais cem páginas: folhas falhadas e com a tinta se esvaindo lentamente.
Cem páginas rendem um livro lindo e triste de poesia, porém jamais terá páginas suficientes para fazer um novo romance.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°