O FIM DO NOME
Fabrício Carpinejar
Foto de Gilberto Perin
O amor assassina o nome próprio.
Você perderá o seu nome. Lentamente. Indubitavelmente. A ponto dele virar uma ofensa.
Puxo discussão com a mulher quando ela me chama de Fabrício. Declaro guerra na hora. E não diminuo a ofensiva mesmo quando ela me responde o óbvio, que está me chamando pelo meu nome.
É que me acostumei com os apelidos, diminutivos, aumentativos, em ser nomeado de Paixão, Gostoso e Delícia, que não supero a regressão. O nome acaba sendo a denúncia de que fiz algo de errado. O nome é uma suspeita de que decepcionei. O nome é rebaixamento da intimidade, é atraso, é greve, é contenda. Traz uma solenidade grave para a conversa, rompe com as brincadeiras, suspende a informalidade. Em sua cortina sonora, vem a ancestralidade da mãe e do pai me xingando por alguma coisa que quebrei em casa. Despertam as vozes de apreensão e de autoridade que moram no nome:
- Fabrícioooooô!
Depois do amor, o nome morre. Foi ferido pelos castigos e medos no tremor da vida, mas morre somente com a convivência a dois.
Não ouço mais o meu nome esportivamente, à vontade, como quem descasca bergamota e cospe as sementes pela janela.
O amor destruiu o meu nome, esfacelou o meu nome, corrompeu o meu nome. Já não posso mais ser Fabrício impunemente. É uma advertência. Dependo da voz da Linda da minha Vida me adjetivando. Não sou mais substantivo.
Perdi o prazer do eco. Nem fico para o retorno do timbre. Vou extraviando a importância de escutar alguém me chamando, a alegria de ser gritado por um colega ao longe. Nem sei como reagiria hoje à lista de chamada da escola - enfrentaria a professora com um ausente?
O amor termina com as individualidades até que sejamos anônimos, desaparecendo a vaidade do batismo.
Ou talvez o casamento seja um segundo batismo, onde recebemos um codinome secreto, um antinome público, para o regozijo particular.
Publicado no Jornal O Globo (blog)
Coluna Semanal
04.08.2016