O HOMEM DO LAR
Em “Borralheiro”, Fabrício Carpinejar brinca com a inversão de papéis nos casais
CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Quem manda lá em casa: Carpinejar e a mulher, Cínthya Verri. Foto de Adriana Franciosi
Se como poeta de ofício Fabrício Carpinejar já se admitia um fingidor, é em suas crônicas que o autor vem se entregando a uma recriação ficcional metódica de si mesmo. Depois de cantar a doçura de um canalha e fazer o elogio do ciúme, agora Carpinejar se dedica a apresentar-se como um legítimo “homem da casa” no seu livro mais recente, Borralheiro, que ele autografa hoje.
Borralheiro segue um projeto que Carpinejar vem pondo em prática em seus livros de crônicas: apesar de escritos e publicados um a cada dia no site que o escritor mantém na internet (www. carpinejar.blogspot.com), quando reunidos em livro os textos seguem uma linha temática, como se cada coletânea contasse uma história. Canalha!, o livro que valeu ao escritor o Jabuti de crônica em 2009, apresentava a visão masculina sobre amor e sexo. Mulher Perdigueira fazia o elogio do amor arrebatado, por vezes possessivo, mas sempre intenso.
Agora, como se levasse o personagem de suas crônicas (ele mesmo) a uma etapa posterior de sua vida, Carpinejar exalta com humor a inversão tradicional de papeis em um casamento: as mulheres lá fora, nas chefias de escritórios, empresas, até na presidência da República. Os homens, cansados do exercício cotidiano do poder, dedicando-se às atividades domésticas. Como o autor escreve na crônica Do Lar, incluída no novo livro:
“O que pretendemos é ser do lar. Não conhecemos nenhuma dona de casa que foi processada; é mais seguro. Já temos prática em lavar carro; aprontar o quarto é moleza.// O que nos atrai neste milênio é preparar o jantar consultando um livro de receitas.”
Como em obras anteriores, Carpinejar faz questão de borrar os limites do que, em sua prosa, é confessional e do que é ficcional. O cotidiano que o escritor inventa nas crônicas do livro é parte invenção, parte decalce de situações vividas no casamento com a médica e escritora Cínthya Verri – sim, no arranjo doméstico é ele quem faxina, estende roupas e lava a louça, enquanto ela troca chuveiros, aparafusa estantes e até conserta o carro. Para criar a narrativa desse cotidiano, Carpinejar não se furta de usar qualquer elemento do próprio cotidiano:
– As crônicas são minha autobiografia inventada, eu chamo essas crônicas de minhas “conficções”, um misto de confissão e ficção. Às vezes eu estou numa DR com a Cínthya e começo a pensar que aquilo pode render uma crônica – brinca o autor
A partir de maio, Carpinejar assumirá como cronista titular às terças-feiras na página 2 de Zero Hora, espaço antes ocupado por Moacyr Scliar.
– É algo que me emociona muito, porque o Scliar sempre me encontrava em viagens e eventos e me dava recados do meu pai, colega dele na ABL. O Scliar era meu pai em trânsito.
Borralheiro (Bertrand Brasil, 256 páginas, R$ 29)
Lançamento em Porto Alegre, segunda (25/4), 19h30, na Livraria Cultura do Bourbon Country (Túlio de Rose, 80). Antecedendo a sessão de autógrafos, haverá debate com a banda Nenhum de Nós.
“O marido mais torturador é o metido a faxineiro. Não vem com o caminhão de mudança, é o caminhão de mudança. Aquele que entra em sua casa como namorado e, na primeira semana, promove uma limpeza geral, com o objetivo de recuperá-la dos vícios. Trata-se de um escorpiano ou um dominador. Ou os dois. A disposição é tanta que passa a temer sua intenção de preparar a salada de maionese do churrasco. (...)
Você (...) mal entra na sala, enxerga o piso brilhando, encerado, e bate o pavor: as pilhas de papéis importantes estão guardadas não se sabe onde, quer cortar a unha e a tesourinha desapareceu da mira, o prontuário de receitas repousa em uma caixinha anônima na lavanderia. (...). E nem pode reclamar, nem pode xingar. Porque os piores atos são feitos para o bem. E isso é um costume do amor.”
Publicado no jornal Zero Hora
Capa do Segundo Caderno, 25/04/2011
Porto Alegre (RS), Edição N° 16681