O IMPONDERÁVEL
Já me acostumei com a visita do Imponderável em minha vida.
Ele entra sem permissão, sem licença e muda a ordem dos acontecimentos.
Tenho certeza que você também conhece. Ele não deixa nenhum lar desassistido. Não compra ingressos, não paga estacionamento. Para qualquer evento, usa carteiraço. Entra em casamento, em velório, em aniversário com a maior cara-de-pau.
Quando treinamos a realidade, não programamos a sua presença indiscutível.
É ele que manda e decide. Somos coadjuvantes de seus repentes. Você teve que lidar com sua invasão fantasmagórica no vestibular quando se via afiado e surgia o branco, no momento de atravessar uma festa para chamar uma colega para dançar e alguém se antecipava.
O Imponderável tem preferência por quem se prepara antes para um teste emocional. Sua diversão é destruir nossos roteiros e planejamentos, mostrar que não somos onipotentes, que não há como cantar vitória no primeiro tempo.
É uma criança grande e desengonçada, com humor sarcástico de um velho ranzinza.
Ele não tem amigos. Não tem família. É solitário e ajuda para o bem ou para o mal.
É como uma versão ateísta do Espírito Santo.
Vou me separar, peço a benção aos meus amigos, memorizo o que direi, o tom, o encadeamento das explicações, sinto-me pronto e indestrutível, mas quando me encontro com a esposa, vem também o Imponderável. Ela está cheirosa, linda, suave, nada raivosa como os últimos dias, e cedo aos encantos de sua doçura, fico subitamente excitado e acabo me reconciliando de novo.
Vou pedir uma mulher em namoro, depois de dois meses de saídas e flertes. Compro um par de brincos, ensaio o discurso, escolho o restaurante, encaminho champanhe ao gelo, até que o Imponderável aparece e ela esbarra em seu ex antes de sentar e eles se abraçam de um jeito sensual e duvidoso que amargam os meus planos. Não digo coisa alguma do que sinto e não mais nos revemos.
Vou participar de uma entrevista de emprego, é meu grande momento profissional, nasci para fazer aquilo, fui aprovado com alta nota no teste de conhecimentos gerais, agora é questão de um detalhe, só não responder nenhuma doideira e se revelar minimamente equilibrado. Mas, ao entrar na sala do RH, o Imponderável caminha ao meu lado. O entrevistador é um colega da infância, o Bola, meu alvo predileto de bullying.
O Imponderável nos devolve à humildade.
Amigo morre precocemente, divórcio é deflagrado na mais alta alegria, paz entre inimigos mortais é sacramentada do acaso: tudo tem o dedo do Imponderável. O impossível se transforma em possível, e o possível se torna um fracasso.
O que nos resta é perceber que a vida é muito curta para ter razão, mas vale é ter amor e perder a razão. Aquele que ama improvisa.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°