O MEL DO AMOR
Foto: Gilberto Perin
O amor começa puro, sem mentiras, sem segredos, sem vergonha. É uma confiança absoluta, uma lealdade invejável. Como o mel lá de casa. Como o mel em todas as casas.
É só ter preguiça e comer o mel no pote, colocando a colher com a saliva de volta no conteúdo que o mel azeda. Quimicamente muda o gosto dos favos. Dali por diante, as confissões são favas contadas.
Quando deixa o pote aberto, a relação escancarada, a umidade pode alterar o mel pois terá água para uma bactéria do ódio se desenvolver.
É só narrar tudo o que acontece para os outros que o mel dos laços estraga.
O risco não é descrever apenas tudo o que acontece na vida a dois. É descrever também tudo o que não acontece, e cobrar desejos com juros e correção.
O romance fica exposto, sujeito a julgamentos e mentiras. Você perde o controle das lembranças a partir de conselhos e intromissões de familiares e de amigos.
Permite o contágio da inveja e do ciúme do mundo externo. Os dias adoecem de suspeitas. Há a descrição de pensamentos como se fossem fatos, e o exagero vai minando a verdade. Ao narrar o que se vive cada ouvinte aumentará um ponto. O que era poesia vira conto de terror e o que era conto de terror vira romance de suspense. Quem é distraído receberá a fama de indiferente, quem é estressado receberá a fama de egoísta.
A difamação sempre começa do casal para fora, não vem de fora para dentro. No momento em que se lambe a colher e se confunde o medo com a realidade e o coração sai pela boca.
Temos que selecionar o que vale ou não vale dizer do namoro ou do casamento. E guardar o que não é certeza e dividir o que é convicção. Jamais jogar fora o esforço secreto das abelhas por bobagens. Jamais inverter o trabalho dos insetos e converter o açúcar em pólen.
O mel do amor morre com a fofoca.
Publicado em O Globo em 17/08/17