Blog do Carpinejar

O MELHOR SOM PARA DORMIR

Arte de Cínthya Verri


A água é uma compositora unânime. Reclama-se da chuva, mas ninguém reclama do barulho da chuva.

A casa de taipa traz a melhor audição. Chuva boa, cheirosa e oleira. As paredes estremecem de manso. Somos postos mentalmente naquele berço de madeira antigo, com base abaulada de cadeira de balanço. A mão líquida acaricia o ouvido e nos embala de um lado para o outro da memória. Na chuva, observar é lembrar. O vento é uma coberta que nos esfria e a constância das notas aumenta a vontade de permanecer quieto no mesmo lugar. Não se mexer é descobrir que a pedra tem suas alegrias.

Ao contrário da crença popular, o telhado de zinco não ajuda a sinfonia. A hipersensibilidade da superfície atrapalha. Garoa vira tempestade, gota vira grito. É uma invasão, não uma visita. Não diferenciamos as cortinas d’água com as pancadas dos raios. Já vi criança estressada, com insônia, pedindo para ficar na cama dos pais.

Cada um acalenta sua caixinha de ninar. Uns com bailarinas, outros com ogro.

Rodrigo, irmão mais velho, tinha uma queda por furadeira e martelos. Amava a casa quando entrava em reforma. Com o agito interminável dos pedreiros pelos corredores, a mãe queria pernoitar em hotel, ele insistia em ficar. Confortava-se com o mundo em construção.

Grande parte dos meus tios dormia com a tevê ligada. Meu pai não renegava a raça, adorava o chuvisco do canal fora do ar. Isso explica hoje sua dificuldade de relaxar. Não há emissora que não tenha programação 24h. Morreram até as barras coloridas do fim da programação. O tempo da televisão aberta foi seu paraíso, deitava no sofá para matar tempo, e matava realmente toda noite.

A filha Mariana, quando pequena, se acalmava com a lavadora. Era seu ninho de peixes, seu aquário. Ela pegava seu travesseiro e escorava na parede da área de serviço, hipnotizada pelo movimento circular da espuma e das vestes. Nada a divertia tanto, nenhum brinquedo musical, nenhum móbile. Suas pálpebras pesavam com o giro, a íris mergulhava na consistência azul do amaciante. Só despertava no momento da centrifugação. Lembro que ela fazia questão de sujar muita roupa, para desencadear duas lavagens por dia.

O que me tranquiliza é máquina de costura. Sou o menino que não deixou a sala da avó. A Singer costurou meus ouvidos por dentro. Ela chamava a máquina de gata preta. Cochilava com o vaivém dos bordados. Elisa pedalava sem parar, me levava em sua garupa para o reino acolchoado da primeira pessoa, dos lençóis e fronhas com iniciais e das toalhas com nomes. Sonhava bonito. Fundo. Nítido. Somente encontro um som semelhante ao pousar a agulha no disco de vinil. O início tremido parece o de minha avó trabalhando. Meu sono mora um pouco antes da música.

Já minha mulher Cínthya é apaixonada pela marcha da respiração. Ela encosta seus olhos em meu pescoço para se amansar, diz que é seu lugar de ser. Se eu fosse ventilador novo, ela não acharia graça. Minhas hélices são de aparelho de praia, ruidosas. A asma domesticada, ao fundo de mim, é o diferencial que a atrai. Não é ronco, também não é paz, como ela já me descreveu; é uma sensação mista, de alguém acordado dormindo, suspirando pelos lábios e respirando pelo nariz.

Talvez eu caminhe pela boca. Apressado. Com medo de não alcançá-la de manhã.



Crônica publicada no site Vida Breve

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