O PIJAMA DO PAPAI
Arte de Cínthya Verri
Não sou fã de pijama. Dispenso o figurino. Nem que seja marroquino, ou de seda mais pura.
Muito diferente de meus amigos, como Mário Corso, alucinado pelos trajes de dormir, disposto a combinar polaina com pantufas. Ele enxerga rigor no conforto, a ponto de confundir o pijama com um smoking do sono, um fraque da preguiça.
Eu não suporto, é meu pesadelo de pano; tenho alergia, urticária, repulsa. A princípio, alego motivo nobre. Assim como os ambientalistas protestam em desfiles de casacos de pele, participo de campanha ecológica contra o fim do homem.
Pijama, nunca. Em seu lugar, recorro ao abrigo macio, mais apropriado e prático. Já acordo vestido, sem o transtorno de me trocar para atender visitas.
Pijama, nunca. Defendo sua extinção como um princípio imutável do caráter. A escolha reflete bom gosto, refinamento de estilo.
Não me faltam argumentos. Pijama não é sensual, traz sempre bolsos para desfigurar o peito com canetas e papéis. Tem um componente broxante, que é uma braguilha sem zíper. Seu uso adoece os olhos, não sei se são as listras ou as cores, algo faz com que seu dono procure o oftalmologista e passe a adotar óculos de leitura.
O pijama corrompe a moda, estraga a aparência, prejudica a libido. Com ele, o homem aceita a velhice, entrega os pontos. Baixa a crista, o queixo e outras coisas mais. É uma castração moral, um canil de botões. Logo mais o sujeito estará assistindo novela.
Além dos motivos mais do que razoáveis, meu preconceito conta com uma explicação científica. Há um trauma vestindo a rejeição.
Meu pai existia em casa até a hora de pôr o pijama.
Quando colocava as duas peças azuis, desaparecia. Evaporava. Partia para ler romances policiais na cama. Trancava a porta do quarto. Como chefe de gabinete, a mãe repreendia qualquer aproximação:
- Não incomoda seu pai, ele está de pijama.
- Seu pai não pode atender, ele está de pijama.
- Tem certeza que não consegue carona com algum amigo, meu filho? É que seu pai está de pijama...
O pijama era o escritório paterno. Seu isolamento. Sua farda militar. Seu esconderijo matrimonial.
Era o mesmo que estar dormindo, o mesmo que estar morto.
Ele continuava pai com qualquer outra roupa, menos de pijama. Escutávamos seus chinelos pelo piso de madeira, o chiado da asma, o ronco, o barulho da descarga, ouvíamos sua voz comentando de manhã sobre algum colega de trabalho, mas não o enxergávamos. Não podíamos vê-lo.
Até hoje, ao telefonar de manhã para o meu pai, em vez de perguntar se ele está acordado, questiono se ele está de pijama.