O PINTO DO ALIENÍGENA
Cinema é conversar depois dele. Com meu filho Vicente, 7 anos, recapitulamos as cenas mais engraçadas, os achados do roteiro, chegamos até a cotar o desempenho dos personagens de animação. É engraçado. Entramos numa cafeteria como num bar de faroeste. Só falta a bota de cano largo. Pedimos duas doses de café com leite. Usamos uma voz grossa, distorcida, de Johnny Cash. Largamos nossos bonés na mesa, virados para cima, para mostrar a intenção de paz. Fixamos os olhos um no outro, já entendendo que o homem dá a mão quando se deixa olhar.
Somos adultos no amor. É preciso muita infância para ser adulto no amor. Apesar da cumplicidade, ainda desvalorizo seu raciocínio e omito as passagens que considero intrigantes. Ele sempre me devolve. O filme era Planeta 51, em que um astronauta pousa numa terra povoada por alienígenas simpáticos, com duas anteninhas na cabeça. O detalhe: o humano é, na verdade, o alienígena, o invasor de uma pacata cidade de carros voadores. Seus traços diferentes assustam aos mais ardentes adoradores de ficção científica daquela galáxia.
- Pai, quando o alienígena vê o astronauta nu diz que ele tem a antena em outro lugar.
O susto não foi sua frase, e sim a gargalhada. Sua risada indica a experiência no assunto. Presumi que o trecho tinha passado em branco. Foi rápido demais, como pescou? Ele me deixou preocupado. No fundo, não é que meu menino seja precoce, eu é que sou lento. Na maioria das vezes, os pais fingem que o sexo tem a mesma representação proibida e secreta de sua criação e mantém um boicote de palavras. Antigamente discordar era desobedecer. Hoje discordar é respeitar. Há a queda da autoridade paterna e materna de antes, não dá para afirmar que é assim e terminar o papo e não se discute mais. Muito menos mandar a criança para o quarto. Não há como educar por ordens. O que existe é influência, orientar e apresentar uma argumentação realmente eficiente. Sentar e detalhar, com paciência e disponibilidade, se possível com Power Point.
O filho não desistirá com contos de fadas. Ele quer o conto de fadas e a realidade para comparar.
Após bobear por um lapso de cinco minutos, confessei que era a minha piada favorita. Levantei a xícara, concluindo que não tínhamos mais nada para tirar do episódio. Meu filho sabe o que é sexo e como se faz, tudo bem, não ficarei com inveja dele, mesmo descobrindo que as cegonhas não entregavam os bebês somente aos nove anos. Mas ele retomou a sequência:
- O estranho é que se o alienígena repara que a antena do humano é na cintura, onde é o pinto do alienígena?
Pior é que eu não tinha alcançado esse desdobramento. Vou assistir de novo ao filme.
Publicado na minha coluna
"Primeiras Intenções"
Revista Crescer
São Paulo, P. 72, Número 194
Janeiro de 2010