Blog do Carpinejar

O SORRISO DE GRETA GARBO

Arte de Eduardo Nasi

Gatos são educados. Gatos são cordiais. Gatos são gentis. Gatos são, acima de tudo, agradecidos.

O casal de amigas, Natália e Francesca, conhece bem o quanto os gatos são generosos. Até demais.

Greta sempre que recebe carinho no lombo das duas patroas, ou uma bandeja de atum, festeja o afeto procurando um presente pela casa. Entra no modo “Amigo Secreto”. Vai para o shopping dos felinos que são os telhados. Some da vista por algumas horas para reaparecer com um agradinho. Só que um agradinho da sua espécie, do seu particular gosto pessoal.

Empurra a porta do quarto com a cabeça, altiva e feliz, salta para cima da cama, e deixa a oferenda no centro dos travesseiros. Afasta-se cenicamente, recua dois passos, como se fosse realmente Greta Garbo esperando os aplausos após o espetáculo.

Mas o que ela escuta são gritos histéricos de suas protetoras. Uivos e pulos. Uma coreografia improvável de saltos.

— Será que elas estão no cio?, deve raciocinar a gatinha.

Um impasse do casamento gay entre as mulheres é quando as duas têm medo de baratas, e uma não pode socorrer à outra.

Greta largou o inseto marrom, ainda vivo e retorcido, em retribuição aos cuidados. Caçou uma frágil presa e iguaria para dar de presente.

A princípio, não entende a reação, se elas estão desesperadas ou felizes — pois o entusiasmo desenfreado traz igualmente o choro. Fica ainda em dúvida se elas são, no fundo, exigentes e deveria ter trazido uma barata mais gorda e voluptuosa, com antenas tevê a cabo.

— Será que elas acharam um bichinho subnutrido?, cogita a felina.

Não alcança o sentido da reação de Natália e Francesca. As duas estão alucinadas, com vassoura e rodo, espancando os lençóis.

— Será que elas estão com excesso de fome?, raciocina.

Greta apenas escuta miados humanos e braços voando. Um banquete esquisito, sem dúvida. Meio tribal. Meio primitivo. O alvoroço passa a constrangê-la.

— Tira ela daqui! Tira ela daqui!, pedem Natália e Francesca.

Greta não pegará a barata. Afinal, gatos também jamais voltam atrás, jamais se arrependem.






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
17/12/2014


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