OBRIGADO, AMOR, HOJE SEI QUE NÃO PRECISA AGRADECER
Arte de Eduardo Nasi
Estamos morando juntos, Juliana. Eu vivo agora a vida que gostaria que fosse eternidade.
Posso chamá-la de minha mulher. Pode me chamar de seu homem.
Você me procura na cama com os braços, eu lhe procuro com as pernas.
Você arruma as roupas quando fica braba. Eu bagunço quando fico triste.
Eu sinto ciúme de suas viagens passadas, você sente ciúme de minhas residências anteriores.
Você acorda rindo, eu durmo rindo.
Tem dias que você não encontra nenhum de seus elásticos para prender os cabelos, tem dias que não encontro nenhum de meus lápis para sublinhar os textos.
Você toma um copo de água ao despertar, eu tomo café.
Você usa o almoço para resolver pendências, eu uso o intervalo para fazer dívidas.
Você trabalha dez horas sem parar, eu vadio palavras.
Você lê um livro de cada vez, eu abandono vários ao mesmo tempo.
Você morde as cutículas quando crescem, eu coço a barba quando embranquece nas pontas.
Você me convida para ver um filme na sala e adormeço antes do final. Eu conto uma história na hora de deitar e você adormece antes do final.
Você se acalma com a massagem nas mãos, eu me acalmo com abraços.
Você se alegra com um elogio, eu me encabulo.
Eu me alegro com um presente, você se encabula.
Estamos encaixados um no outro, independentes dentro da maior falta. Nossas diferenças nos aproximam.
Minha saudade de você é maior do que minha saudade de mim.
Minha saudade de mim é somente quando estou com você.
Estamos dividindo a casa. A gente passa do horário e depois reclama que não é final de semana.
Somos tão felizes que não resta corredor entre as nossas frases.
Você me adivinha, eu lhe provoco.
Você está um passo a frente de mim, eu estou um passo atrás de você.
A sala é quarto, a cozinha é quarto, o escritório é quarto, o quarto é o quarto dos quartos.
Você abre bolachas antes da janta, e não perde a fome. Eu fecho os pacotes com prendedor.
Você prova uma loja inteira em vinte minutos, e me manda fotos para opinar. Eu escolho roupas com seus olhos emprestados.
Você me convence, eu insisto, ambos estão errados querendo acertar.
Você me descreve o passado, eu reescrevo o passado.
Você avisa que vai chorar, minha asma não avisa nada.
Nosso amor é se fazer entender sem perder os mistérios.
Nosso amor nasceu póstumo.
Nosso amor é antigo e novo ao mesmo tempo, é ancestral e recente ao mesmo tempo, é previsível e inédito ao mesmo tempo.
Você me explicou que não existe mais surpresa entre nós, mas decisões.
Surpresa é quando um decide sozinho. Amor é quando os dois decidem juntos. E não há maior surpresa do que decidir junto.
Estamos morando mais do que no mesmo endereço: estamos morando no mesmo sentido, Juliana.
Casa comigo sempre, casa comigo sem parar, casa comigo até depois de mim?
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira