ÓBVIO PROFÉTICO
Arte de Eduardo Nasi
Tenho uma inquietação filosófica familiar: os pais têm intuição ou agouro?
É assim mesmo comigo, não há certeza se é sexto sentido ou o desejo do pior.
Quando vejo um copo ou um prato em lugar estranho, que não uma mesa, aviso ao filho que é melhor tirar dali senão vai quebrar.
Ele não tira, e realmente quebra. Reprimo o meu ímpeto de sermão para ajudar a recolher os cacos. Mais grave do que avisar é depois dizer que avisou. Existe um sadismo na censura.
Mas não sei se fui eu que apressei o acidente com as palavras ou, ingenuamente, previ porque todo pai é profeta ou, ainda, usei apenas a lógica.
Todo alerta e advertência dentro de casa se realizam.
Cuidado para não se machucar e o filho se machuca. Cuidado para não escorregar no chão molhado da cozinha e a esposa escorrega. Cuidado para não deixar as janelas abertas e a chuva inunda a sala.
Sou uma gralha do mundo interior, das observações mais triviais às receitas de proteção. Exponho o óbvio como não esquecer o casaco ou não lavar o cabelo para não gripar ou não colocar papel na privada para não entupi-la até o inusitado “aquele cachorro está faminto, tenha cautela”. Termina acontecendo, e depois vem um sentimento misturado de tristeza e revelação. Como se um anjo estivesse soprando mandamentos do bem estar em meus ouvidos. Eu me transporto para o Antigo Testamento, com a substituição da sarça ardente pela samambaia morrendo de sede.
Fico matutando: se não houvesse aberto a boca será que aconteceria? Será que torço para ter razão? Para ganhar importância e status de sabedoria caseira? Não seria preferível errar? Mas se erro eu sou apenas chato. Acertando sou um chato clarividente.
O sobrenatural será sempre o sobrenome da vida minúscula.