ÓTIMO!
Arte de Francis Picabia
Eduardo está namorando há seis meses e ainda não conhecemos a felizarda.
Ele foge de nossos encontros de terça-feira. Diz que vai levá-la e sempre surge uma desculpa de última hora e aparece sozinho.
– Ela tinha aula. Ela tinha treino. Ela tinha inglês.
A Raquel é uma incógnita. Se não existisse o Facebook, imaginaríamos que era uma invenção de sua carência.
No fundo, ele não deseja nos enfrentar. Vem adiando ao máximo a avaliação da presa pela nossa roda. Ainda mais que nossa turma está solteira e não pouparíamos olhares constrangedores.
Não duvido que se case escondido, para evitar o ultraje do inquérito.
As mulheres temem apresentar o namorado para a família. Já os homens temem apresentar a namorada para os amigos.
O pânico da rapaziada não é tolerar as chacotas dos irmãos, as provocações do pai, o álbum de fotos resgatado pela mãe. O churrasco de domingo com os parentes não é nenhum martírio ao início de relacionamento. Eles não têm vergonha do nu da infância, dos apelidos fofos, das marolas dos costumes.
Mas odeiam ter que enfrentar a curiosidade dos colegas de bar. Odeiam com todas as forças a estreia da namorada entre os seus iguais.
É mesmo uma cena patética e traumática. A mesa inteira lançará risinhos debochados ao casal recém-formado. As piadas sussurradas lembram códigos entre submarinos ou desenho soletrado de forca.
O par amoroso não achará uma posição reconfortante no espaldar da cadeira: se abraçará, se dará a mão, deitará a cabeça nos ombros em profundo e pesaroso silêncio.
Pois é duro apanhar e ser simpático.
É o fim quando um homem vem com a nova namorada para seu tradicional ponto de encontro boêmio. Tenho pena do sujeito porque fui ele. Assim como da acompanhante que descobrirá que ele só tem amigo ogro e boçal e admitirá seriamente a possibilidade de abreviar o romance.
A sabatina do Senado com o candidato a presidente do Banco Central é moleza comparada à roda dos comparsas. Não conheço um outro jogo psicológico tão desonesto.
Ninguém será indiscreto com o passado amoroso do amigo a ponto de prejudicá-lo. É a ameaça de contar que assusta.
Insinuamos histórias para mudar propositalmente de assunto. São manchetes vazias, sem notícias, porém que pegam de jeito o rim do gajo.
– Recorda aquele nosso acampamento em São Gabriel? – posso perguntar de repente.
Naquele camping, nosso companheiro de trago ficou com duas jovens em sua barraca. Entende a maldade?
Ele gela mais do que o próprio chope, mas a lembrança não prospera e não precisa se explicar.
Conheço gente que não aguenta o tranco, que chora no banheiro, troca de sexo e passa a tomar gim tônica. A acareação também explica o motivo de muitos homens se manterem solteiros até hoje.
O coliseu masculino é feito de inveja e admiração. Implacável, incorruptível, não há como fraudá-lo.
O que nós queremos é testar a jovem, ver se ela merece tirar nosso ilustre sócio das delícias noturnas.
Ela será aprovada se não nos xingar após o bombardeiro de picuinhas e bravatas.
O que apenas desejamos ouvir de sua boca é:
– Seus amigos são ótimos!
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N° 17383