PAC-MAN SEMPRE VAI MORRER NUM BECO
O homem é um produto frágil demais. Pode ser destruído simplesmente pelo saca-rolha.
Eu tremo ao abrir uma garrafa de vinho. Vá que a rolha esteja esfarelada e afunde. O longo esforço de maturação da bebida, depois de dois anos de envelhecimento no barril e três na garrafa, morre em segundos pela minha imperícia. Nenhum dos presentes vai mexer o líquido rubro no cálice e cheirar o buquê por minha culpa.
O medo tem uma razão especial: a esposa é que me alcança a safra. Representa um ato de confiança, um crédito no relacionamento. É coisa de macho. Ela finge se distrair enquanto observa o desempenho pelo rabo dos olhos.
E se eu vacilo e ela delega a atividade para a visita? E se a visita abre com facilidade e solta um risinho diabólico?
Toda garrafa de vinho traz uma mensagem de S.O.S. Apelo de náufragos do amor.
O champanhe é também uma tragédia moral. Festa da virada, contagem regressiva 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, e você se demora ao puxar o lacre. O mundo familiar aplaude, grita, e a garrafa permanece fechada em sua mão. É azar para o resto da vida amorosa, não somente para um ano.
Nossos maiores constrangimentos baixam nos pequenos atos, onde não há coragem, mas apenas obrigação. É se enxergar no dever de fazer, que o fracasso é certo.
Não são tarefas maiúsculas, em que podemos nos perdoar pela concorrência e nervosismo, como vestibular, autoescola e entrevista de emprego.
Refiro-me a situações coloquiais, da rotina, na qual o outro conclui que você não terá dificuldade. Um dos vexames da escola foi ao bancar o educado com uma colega. Eu me ofereci para abrir seu salgadinho Pingo d’Ouro. Suava frigoríficos, e não descolava as pontas. Até que exagerei e o saco rasgou-se inteiro.
Já penei com uma lata de extrato de tomate. Não fui ensinado a usar o abridor pela mãe, pai, irmão mais velho (afinal, quem era o responsável pela aula?). No casamento, na primeira refeição a dois, dividindo romanticamente o balcão da cozinha, ganhei a ingrata tarefa. Desenhava a tampa e nada de furar a lata e encontrar a polpa. A massa pronta, a mulher aguardando e eu batendo cabeça por 15 intermináveis minutos. O avental foi curto para conter o al sugo do rosto.
Experimento sucessivamente suspiros de alívio ou engasgos de aflição diante de potes de geleia, requeijão e pepino.
Dói quando sua companhia compra ingresso para assistir a você se estrebuchar.
Dói quando você recorre à camisa para torcer a tampa.
Dói ainda mais quando ela consola:
– Não depende de força, mas de jeitinho.
É uma das frases mais horríveis de se escutar na vida, junto com “isso acontece!”.
Porto Alegre (RS), Edição N° 17154