Blog do Carpinejar

PARA ONDE VAI O AMOR?

Arte de Piet Mondrian

Quando deixo de amar, não fico aliviado, eu fico triste. Porque é se despedir de uma grande parte da própria vida, é se desapegar de um sentimento que julgava único.

É triste deixar de amar. Profundamente triste. É sacrificar a personalidade, é nunca mais usar um jeito de reagir e de falar, nunca mais usar um jeito de beijar e de abraçar, nunca mais usar um jeito de transar e ser feliz.

Passo a pensar: onde foi parar todo aquele amor? Onde é que ele se escondeu? Será que desapareceu ou apenas está dormindo?

Será que terminou mesmo ou é fingimento para suportar a falta? Será que minto para mim para não sofrer tanto?

Será que o amor é um segredo disfarçado de fim? Será que a minha solidão agora é soberba? Será que meu contentamento é uma cilada? Será que me embriaguei de palavras e esqueci o caminho de volta?

Onde estão aquelas declarações apaixonadas? Em que parte distante de mim, já que não sobem mais aos olhos?

Para onde foram a algazarra da convivência, os passeios, as viagens, as mãos dadas, os risos, a cumplicidade das festas, as brincadeiras, o sono de conchinha, as conversas até tarde?

Para onde foram a ansiedade, o ciúme, a saudade, o desespero de não ver mais, as implicâncias ruidosas, as concordâncias silenciosas?

Para onde vai o amor após sumirem as fotos, os quadros, as mensagens de texto, os bilhetes de flores?

Quando não há mais dor para sinalizar onde se mantinha o amor. Quando não há mais desespero para apontar onde se guardava o amor. Quando não restam lápide, campa, cicatriz, rua, aliança para ostentar sua lembrança.

Em que parada de Porto Alegre desembarca a comoção perdida? Qual a estação em que o amor acena e evapora? Que planeta, que dimensão, que oceano?

Ou ele se transforma numa mania nova, num modo de suspirar, de virar o rosto, de mexer as orelhas?

Ou ele se converte em cinismo religioso, em maldade com os palhaços, em ironia com noivos, em raiva de qualquer save the date dos amigos?

Para onde vai o amor depois do amor? Me fale, por favor. As lágrimas, quando secam, permanecem eternamente na pele? Não sei. Mas meu rosto está cada vez mais salgado.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 16/9/2014
Porto Alegre (RS), Edição N°
17924

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