Blog do Carpinejar

PARAFUSO



Texto Fabrício Carpinejar
Arte Eduardo Nasi

Em casa temos uma expressão de uso corrente: “chega de falar de parafuso”. A frase é sempre empregada quando alguém empaca em um assunto ou quando a discussão não tem saída. É tentar convencer a minha mãe de algo, ou a minha mãe tentar me convencer de algo, por exemplo. A conversa nunca evolui. Um olha para o outro, sem esperança, e resmunga:
— Chega de falar de parafuso!

A origem da frase vem da minha infância. Quando tinha três anos e o Rodrigo cinco, ele sofria por mim porque todos os tios diziam que eu tinha um parafuso a menos. Eu caía ao correr, batia a cabeça com frequência, era absolutamente desajeitado. Não havia me recuperado do susto de nascer – e as pessoas tampouco do susto de me ver.

Rodrigo, conhecido como “Igo sabe tudo”, criou um plano de recuperação de metas. Retirou um parafuso da caçamba de seu caminhão azul e me deu para engolir com um copo de água. Imitou o gesto banal dos adultos da oferta de uma aspirina para enxaqueca.
Longe de contrariar a sabedoria do mais velho, obedientemente engoli, mas com esforço, precisei de um litro d’água.
Foi um deus-me-acuda quando ele explicou para a família que agora não me faltava nenhum parafuso.
— Fabrício funcionando perfeitamente!, constatou.

Desesperada, a mãe se debruçou na enciclopédia “A Vida do Bebê”, de Rinaldo de Lamare, e preparou o pior e mais espesso mingau de minha vida. Seguiram vinte e quatro horas de tensão até que demonstrasse sinais de dor de barriga.

Trancado no quarto, alheio ao tumulto, Rodrigo estava bravo. Choramingava, bufava, no misto confuso de sentimentos, entre a culpa e a incompreensão, pois ninguém alcançou o heroísmo de sua ideia. Durante duas semanas, só abria a boca para gritar: “chega de falar de parafuso!”.

Publicado em Vida Breve
Colunista de quarta-feira
1/6/2016

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