Blog do Carpinejar

PIQUENIQUE NO QUARTO

Arte de Eduardo Nasi
 
Tomo o café da manhã em etapas.

A primeira no quarto, bem apressado, enquanto me arrumo. Com pãozinho fresco e cafezinho preto tirado na hora (nem um minuto a mais na chapa da cafeteira). Em seguida, me encaminho para a cozinha onde como frutas. Por fim, sento na sala, para ler e-mails e mastigar omelete preparada pela minha fiel escudeira Cleonice.

Faço questão de ocupar todos os aposentos com o café da manhã. A louça fica espalhada perto das roupas que não foram sorteadas para meu corpo naquele dia.
 

* * *
 
Tudo termina de pernas para o ar: gavetas abertas, livros espalhados, papéis voando.

Sou mais anárquico do que mulher se vestindo.

Residência com mulher se vestindo não precisa de faxina, mas de reforma. O meu caso é mais grave: necessito trocar de endereço.

* * *
 
A pressa é enamorada da perfeição.

Demoro a realizar o simples. A elegância está em testar combinações estranhas e se odiar no espelho.

Provo dezenas de roupas para voltar a gostar do primeiro conjunto.
 
* * *
 
Vestir-se é um agradável remorso.

* * *
 
A criatividade depende dos lapsos.

Sempre estou alterando o contexto dos objetos. Mudando raízes de lugar. Misturando coisas que não se falavam, como guarda-chuva e violão, azeite e ferro de passar.

Fui puxar hoje a porta do armário e encontrei um pratinho cheio de farelos ao lado da pilha de camisas.

E um copo com espuma de laranja rente aos blusões.

E uma xícara assediando as calças.
 
* * *

 Ri da minha baderna. Como quem compreende que não tem conserto.
 

* * *

 Era uma explicação poética: as roupas comiam em segredo, por isso não me apertavam. As roupas engordavam comigo. Alimentava meus panos para não me sentir fora do peso.


* * *

Também lembrava uma casinha de passarinho, um chamado de floresta. Logo meu guarda-roupa será uma gaiola, com uma ninhada na gaveta das gravatas.

Os passarinhos serão os cabides e levarão as roupas para o Shrek se vestir.

Uma delicadeza abrir o armário do quarto e enxergar um prato com casquinhas e restos de miolo.

O lençol como uma toalha de mesa. A toalha de mesa como um lençol.

Minha casa é um piquenique a céu fechado.

 





Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

Fale comigo

Contrate
agora uma 
palestra

Preencha o formulário para receber um orçamento
personalizado para a sua empresa ou evento.

Termos de uso e politica de privacidade